A situação que hoje vivemos faz-me lembrar uma outra ocorrida em 1991 por ocasião daquela que foi intitulada Primeira Guerra do Golfo.
À primeira vista,parece não ter nada a ver uma coisa com a outra, mas… olhemos mais de perto.
Relembro o anúncio feito por um ainda muito jovem e visivelmente assustado José Rodrigues dos Santos, no telejornal da noite, de que a guerra, que tinha vindo a ser anunciada numa escalada de atritos diplomáticos e não só, tinha – finalmente – começado.
Instalou-se o pânico em Portugal com uma corrida aos supermercados nunca vista e açambarcamento de viveres, incluindo o famigerado papel higiénico, que merece uma tese de doutoramento. Talvez a maior parte de nós pensasse que o Golfo era já ali, em Marrocos.
O conflito de 1991 ficou conhecido como “A Guerra em Direto” (devida vénia ao Carlos Fino, que escreveu um livro com este mesmo título), por ser a primeira vez que a informação sobre o acontecimento chegava aos quatro cantos do mundo praticamente em tempo real.
Veio posteriormente a verificar-se que muito do que se soube, se viu e se disse não passou duma encenação para legitimar situações bastante controversas e direcionar o foco da atenção da opinião pública, afastando-a de outros que, entretato, passaram despercebidos, o que, mais tarde, veio a ter efeitos bastante graves.
Ora, nesta guerra contra um inimigo invisível e sem território, a informação e a contra-informação são ainda mais importantes porque, mercê da existência dum sistema de informação sem contraditório nem fontes identificadas (as redes sociais), elas são constantes e muito mais dificeis de identificar.
Em Portugal começámos por, durante semanas, anunciar que os testes feitos eram negativos. O afã era tal que parecia estarmos à espera de não nos deixarmos ficar para trás nesta epidemia.
Se se recordam, embora o cofinamento faça perder a linha do tempo, há apenas três/quatro semanas, a Turquia deixou passar para a Grécia um enorme número de refugiados, através sobretudo da fronteira do Evros
Apareceu o primeiro caso e foi um acontecimento! A partir de então, ficámos soterrados por informação, contra informação, análise da situação, previsões da situação….
Tirando as intervenções oficiais do Governo (e aqui, chapeau para a direção geral da Saúde e para a ministra!), tudo o resto pode ser mais prejudicial do que benéfico.
Desde mezinhas que acabam com o “bicho” até às teorias da conspiração, algumas vindas das mais insuspeitas personagens, e que têm um capital de respeitabilidade que os devia tornar mais prudentes pelo menos nesta altura, encontramos de tudo.
Sabemos o número quase exato dos infectados, mortos e recuperados em Itália, Espanha, França, Alemanha… Curiosamente ainda ninguém (pelo menos que eu tivesse dado conta) falou da situação na Grécia!
Se se recordam, embora o cofinamento faça perder a linha do tempo, há apenas três/quatro semanas, a Turquia deixou passar para a Grécia um enorme número de refugiados, através sobretudo da fronteira do Evros. Orestiada, a região que nesse ponto faz fronteira com a Turquia, é das mais pobres do país, fazendo relembrar muito o Portugal profundo da década de 60 do século passado. Em 2012, o hospital era um edificio decrépito, minúsculo, já com algumas valências a serem enviadas para Alexandropolis, a cerca de hora e meia de caminho. Num dos anexos e como aconteceu com diversos edificios do Estado, improvisou-se um centro de detenção para imigrantes irregulars.
Dizem-me que ainda assim é hoje e que a situação é dantesca.
Ali, sim, falta tudo: pessoal, máscaras, luvas, alimentos, água….
Não há a minima hipótese de testar os que entraram (e continuam a entrar), vindos de campos onde a higiene é praticamente inexistente e o distanciamento social é impossível.
Se há um local onde o vírus se deve ter sentido bem à-vontade foi nestes campos que deixámos criar às portas da Europa por completa incapacidade de resposta a uma crise da qual, por mais que as lavemos e desinfetemos, jamais teremos as mãos limpas.
Ninguém fala da Grécia. A Europa não fala do que está ali a acontecer relativamente a esta pandemia. Mais uma vez existem ghettos dentro da União. Espaços olvidados pelo poder e pela informação. Zonas negras que escapam ao escrutínio dos media e das redes sociais.
Só hoje ouvi falar de Idlib, na Siria, como um enorme foco da Covid-19 devido às condições que já referi.
Mas então… e a Grécia, senhores?
Nunca como hoje, Platão esteve tão certo. Vivemos mesmo dentro duma caverna e o mundo é-nos apresentado por sombras no fundo da parede. Pergunto-me a quem interessará que olhemos apenas para um dos lados. E também me questiono o que sucederá quando alguns de nós decidirem olhar para fora da caverna.