Um pendura é alguém que procura obter vantagens à custa de outros. Infelizmente há-os um pouco por todo o lado: nas empresas, na política, na Segurança Social. Mas o que vos trago hoje são os penduras da saúde pública.
Estamos perante uma invasão de penduras. Gente que não se quer vacinar, mas que quer lucrar com a imunização alheia. Recusam as vacinas contra a Covid-19, a única coisa que pode trazer a nossa vida pré-pandémica de volta, mas todos os dias se insurgem contra as medidas restritivas a que o vírus obriga. Quais parasitas, não alinham na mais importante campanha (inter)nacional das últimas décadas, mas querem continuar a beneficiar de todos os direitos e benesses da vida em sociedade.
Há pelo menos quatro tipos de penduras: negacionistas, cobardes, alternativos e inconsequentes. Em comum, todos têm a incivilidade e o egoísmo de apenas olharem para o cotão do seu umbigo, mas há traços distintos que vale a pena esmiuçar. Em primeiro lugar, temos os penduras negacionistas. Pertencem à mais vasta categoria dos negacionistas globais, sobre a qual já me debrucei noutro exercício de escatologia social, e que se dividem em alucinados, libertários, chico-espertos e ignorantes. Todos acham que a ameaça da Covid-19 não é real, e que o mundo inteiro vive um estado de alucinação coletiva, ao qual apenas eles, pretenso-iluminati do século XXI, estão imunes. Por maioria de razão, os penduras negacionistas recusam também a vacina, já que o perigo existe apenas na cabeça de sete mil milhões de pessoas, embora tenha vitimado quase quatro milhões e entupido sistemas de saúde por todo o lado. Entre estes contam-se também os que acreditam que a vacina magnetiza o corpo e instala antenas 5G. Este é um grupo perdido para as trevas – há pouco a fazer senão nutrir a (micro) esperança de que acordem da imbecilidade e vejam o óbvio. Normalmente, contra-argumentar com eles é tempo perdido, da mesma forma que não se discute com um jumento sobre a qualidade da palha.
Os cobardes perfazem o segundo tipo de penduras. Temem a vacina com medo do dói-dói. Primeiro a impressão no braço, depois os indesejáveis efeitos secundários, como um mal-estar passageiro ou febrezinha. Muitos temem também os raríssimos coágulos e as complicações graves, sendo certo que o risco de terem problemas com medicamentos de uso comum ou um acidente de viação é incomparavelmente maior. É um “ai Jesus” por verem a agulha, mas não temem ir parar a uma UCI, onde são picados diariamente e podem ter de ser ventilados e entubados, e, se tiverem sorte de sobreviver, ter de reaprender coisas básicas como engolir ou andar. É curioso porque, antigamente, perante a ameaça de um inimigo, os nossos pais e avós foram arriscar a vida para as trincheiras. Agora pede-se tão só para aceitar o risco infinitesimal de uma tecnologia já estudada e testada. Ainda assim, estes penduras medrosos merecem ser, como as criancinhas, acarinhados e esclarecidos, decifrando-lhes, pacientemente, as conquistas da ciência que não têm obrigação de conseguir entender. Com jeitinho, chegamos a eles.
Mais difíceis de alcançar são os penduras alternativos. São estes os anti-vaxxers pseudoanarquistas, antissociais e neo-new-age, que desprezam a medicina convencional, têm filhos em casa numa banheira insuflável e vivem em paz e amor, só com mezinhas e ervas medicinais, mas normalmente apenas até terem um problema grave de saúde. Quiçá se se acrescentar uma pitada de cânhamo à vacina talvez seja mais fácil.
Por último, temos os penduras inconsequentes, que normalmente coincidem com os penduras mal-educados. São certos jovens, o grupo atual motor da pandemia, ou certas pessoas de classes favorecidas, entretidos nas suas bolhas, entre festas, copos e convívios, que não se querem dar à “chatice” de se meterem numa fila. Sem qualquer empatia nem preocupação social, estão mal-habituados a pensar que nada lhes toca, seja pela irracionalidade própria da juventude ou pelo costumeiro privilégio. Para estes, vedar o acesso a espaços públicos a quem não tenha um certificado de vacinação talvez surta efeito. Isso, e o banho de chá e de noção que não receberam em pequeninos, mas é capaz de já ser tarde.