Os tempos não estão para brincadeiras. A não ser, claro, para os que são adeptos de “brincadeiras” de altíssimo risco. Não sou eu que o digo, são alguns dos principais especialistas mundiais em economia e mercados financeiros, e até alguns gurus que advinharam crises anteriores. Os ecos do research do Royal Bank of Scotland divulgado no início do ano ainda estão bem frescos na minha cabeça. “VENDAM TUDO!”, foi o conselho no início do ano do reputado banco de investimento, que previu que 2016 irá repetir alguns padrões de 2008 e pode vir a ser um ano cataclísmico, e a maneira de escapar é fugir das ações e da generalidade dos títulos de dívida, que são hoje muito perigosos. “Vendam tudo exceto obrigações de elevada qualidade. O que está em causa é o retorno do capital e não de retorno sobre o capital. Numa sala cheia de gente, as portas de saída tornam-se apertadas”, pode ler-se no alarmante relatório.
Com efeito, o banho de sangue tomou conta dos principais índices acionistas desde o início do ano. O Euro Stoxx 50 (o índice que reúne as 50 maiores empresas europeias) perde 16%, o DAX alemão afundou 18%, o CAC francês 15%, o Nasdaq recua 14% e o Dow Jones norte-americano cai 8%. Entretanto, os investidores estão a procurar os tradicionais ativos de refúgios, como a dívida alemã ou ouro, que já subiu 18% só em 2016.
Pode ser tudo uma volatilidade passageira, porque não há mercados que subam para sempre e os ajustamentos são inevitáveis. Mas, afinal, quais são os sinais de tempestade perfeita que estão a assustar os analistas e os mercados?
1. China: o pânico que vem da Ásia
O problema de fundo é um: a China está a passar por um doloroso processo de reajustamento depois de substituir o Japão como segunda maior economia do mundo e crescer a ritmos alucinantes durante mais de uma década. Ritmos alucinantes e insustentáveis no longo prazo, como é evidente. A economia chinesa está agora a crescer ao valor mais baixo dos últimos 25 anos: o PIB da China avançou 6,9 por cento em 2015, um valor que nos põe a suspirar quando comparado com o raquítico crescimento nacional, mas preocupante para uma economia que tem andado muitas vezes acima dos dois dígitos. São vários os desafios para a saúde da economia chinesa, e que vão da quebra nas exportações (muito graças a abrandamentos nos mercados emergentes, ver abaixo), aos altos níveis de endividamento e a um abrandamento no investimento. Um banco central com uma política algo errática (seis cortes de taxas desde novembro de 2014) não ajuda à festa – teme-se que ponha mais água quente na fervura do que a arrefeça. As coisas estão sérias, e o perigo de contaminação para o resto do mundo é grande, como se viu na reação de histeria das bolsas mundiais aquando dos dois crashes chineses (em Junho e Janeiro).
2. Petróleo em queda
Se o preço de um bem essencial à atividade económica cai, pode parecer bom, certo? Não necessariamente, se a queda for abrupta ou vier abaixo de um determinado nível. O problema é o enorme impacto que tem nos frágeis equilíbrios económicos globais. Uma quebra no preço do ouro negro põe em causa os orçamentos de muitos países emergentes. Países como o Brasil, que afundou no ano passado em recessão, ajudada pelo escândalo de corrupção do qual não se parece ver um fim à meada, ou a Venezuela, que também está com a corda na garganta (ninguém se surpreenderia se vier a entrar em default). Ou ainda a Rússia, o México, Angola, Nigéria, África do Sul, Turquia… Mais ou menos como as ondas gravitacionais de Einstein, que esta semana se comprovaram que existiram, a partir daí, o efeito é em cadeia, com as economias que vendem para estes países (como a China) a abanarem também. Por outro lado, a banca europeia e norte-americana tem grande exposição ao setor do petróleo (250 mil milhões de dólares), e teme-se que por aí possam surgir surpresas negativas “à la Lehman Brothers”. O que nos leva para o ponto seguinte.
3. Banca no olho do furacão
Como escreve esta sexta-feira o “Jornal de Negócios”, a banca está no epicentro do furacão. O índice de referência da banca europeia já perdeu quase 30% desde o início do ano, o que penaliza o comportamento dos principais índices europeus (onde a banca tem um forte peso). São vários os fatores de risco em causa. O impacto das baixas taxas de juro na rentabilidade do negócio bancário, as novas regras que podem trazer perdas potenciais para os detentores de dívida sénior, os efeitos da queda do petróleo ou aumento dos custos de litigância (como aconteceu com a Société Générale que apresentou resultados abaixo do esperado e abanou fortemente.) Tudo isto faz com que bancos de referência como o Deutsche Bank ou o Credit Suisse levem perdas na ordem dos 40% em 2016 (até ontem, quinta.feira), e o Barclays siga logo a seguir com uma queda de 32%. Hoje o setor teve uma correção ténica e recuperou algumas perdas, com o Deutsche Bank a subir mais de 11%, impulsionado pela notícia de que vai investir 4,8 mil milhões em títulos de dívida. O que está longe de dissipar, ainda assim, as nuvens no horizonte. E os bancos nacionais não ficam, obviamente, imunes ao sentimento de desconfiança geral no setor.
4. Commodities em queda
Como refere o “Guardian”, no final do ano passado a Moodys alertou para a possibilidade de vermos várias falências em empresas de commodities, especialmente no setor mineiro. Como existe uma série de dívida destas empresas disseminada pelo mercado (e pelos grandes bancos, lá está), o risco de perdas substanciais caso algo corra mal nestas grandes companhias é grande. Segundo a Moody’s, foi emitida 2 biliões de dólares (mesmo biliões!, os “trillions” em inglês!) de dívida de empresas mineiras desde 2010, muita da qual está hoje com rating de junk (o famoso rating de lixo que bem infelizmente conhecemos).
5. Bancos centrais de mãos atadas
A situação é mais ou menos como uma pescadinha de rabo na boca. Atirar dinheiro para cima problema por parte dos bancos centrais tem sido a solução de recurso, porém não garantidamente eficaz no longo prazo. Mas o pior é que as munições estão a escassear um pouco por todo o lado. Pela Europa, os especialistas dizem que o Banco Central Europeu não pode cortar mais as taxas de juro sob pena de pressionar ainda mais as contas do setor bancário.
6. Portugal no radar
Com tudo isto, países com economias mais débeis como Portugal ficam, novamente, debaixo dos radares de alerta para o que pode correr mal. “Os mercados estão a vingar-se. Têm sido excessivamente regulados e agora estão a exigir um cordeiro de sacrifício dos políticos”, diz um especialista em banca do italiano Mediobanca, citado pelo “Telegraph”. Um cordeiro que bem pode ter sangue português…
E Portugal, é apanhado no meio desta tempestade potencialmente perfeita sem culpas no cartório? Não é bem assim. Os números dizem que o orçamento apresentado por Centeno está a deixar os mercados desconfiados e nervosos os investidores. Os juros da dívida pública dispararam para 4,5%, com o prémio de risco face às obrigações alemãs a 10 anos a chegar, ontem, quinta-feira, a ultrapassar os 400 pontos base – o valor mais alto desde Novembro de 2013, note-se! Isto enquanto as dívidas espanhola, italiana e irlandesa se mantêm relativamente estáveis, apesar da volatilidade nos mercados. Não há coincidências…