O índice de transmissibilidade (Rt) nacional voltou a subir, com epicentro na região de Lisboa e Vale do Tejo. Para os epidemiologistas, é bastante provável que parte desta escalada se deva à ala descontrolada dos festejos do Sporting. Como ficou claro, muitos celebraram o título com alegria, segurança e responsabilidade, mas uns quantos puseram em causa a vida de todos, com bruto egoísmo e, até, violência gratuita. Felizmente, a vacinação e a cautela da maioria continuam a vigorar no País, ajudando a manter um certo alívio social, tão necessário. Deixando os futuros passos da pandemia para os videntes qualificados, é tempo de olhar para uma “nova tendência”, trazida pela pandemia e soprada aos quatro ventos: a YOLO Economy.
A pandemia trouxe novas práticas para o mundo do trabalho. Muitas têm merecido discussão ampla, como a banalização do trabalho remoto – que reconfigurou o tempo e o espaço da esfera produtiva -, mas o seu impacto e sustentabilidade ainda estão por testar. Indiretamente, a crise nos setores paralisados pela pandemia – a cultura, o turismo ou a restauração – forçou profissionais a reinventar condutas, de onde resultarão transformações perenes. Boas ou más? Vamos ver. Auspiciar vantagens nas catástrofes é uma operação delicada – em especial no enclave de uma crise devastadora, cujo rasto social e económico será negro. O tempo o dirá. Por agora, mais do que novas práticas, sabemos que o vírus trouxe novos sentimentos e mundividências que levaremos connosco para o universo d.C., depois de Covid.
Recentemente, uma crónica no New York Times dava as boas vindas à Economia YOLO (“Welcome to the YOLO Economy”). YOLO é acrónimo para You Only Live Once (“Só se vive uma vez”) e refere-se a uma nova forma de olhar para o trabalho, que privilegia o risco, a liberdade, e desvaloriza a visão de uma carreira estável. Segundo o artigo, a pandemia levou os jovens a entediarem-se com as carreiras convencionais, motivando-os a despedir-se para seguir sonhos aventureiros. A ideia, reproduzida em fóruns e meios de comunicação internacionais – portugueses também –, anuncia o surgimento de um novo pensamento económico, protagonizado por jovens, que despreza a estabilidade e procura o arrojo. Os fatores apontados para esta tendência são vários: a popularização do estilo de vida “nómada” que o trabalho remoto permite, a vulgarização dos investimentos na bolsa, as criptomoedas, as start-ups digitais ou os novos modelos de e-commerce. No fundo, tudo relacionado com uma cultura digital emergente – sobre a qual já aqui escrevi na altura da Game Stop. De acordo com quem a apresenta, a atitude YOLO ganha força nas oportunidades (umas reais, outras nem tanto) do universo digital, levando os jovens deste novo grupo social a dizer “basta!” à carreira estável, comprar um boné e umas sandálias, voar até Bali, pagar um quarto com PayPal e trabalhar 10 minutos por dia – com o telemóvel numa mão e a água de coco na outra, como se não houvesse amanhã. O sonho millenial, tornado realidade.
Duvido muito que seja assim. É evidente que, por exemplo, o trabalho remoto poderá trazer oportunidades fantásticas, permitindo às pessoas viajar ou viver onde quiserem, longe do caos das metrópoles sobrelotadas – com todas as vantagens ambientais, económicas e territoriais que tal poderá ter. As oportunidades da economia digital são também reais, e a pandemia alavancou-as, levando muitos a tirar proveito de novos ativos e negócios – em especial, os jovens. É um facto. Mas daí a concluir que essa deriva é massificada e se deve ao tédio, ao aborrecimento, ou a uma nova forma de estar na vida, hedonista e audaz, vai um grande passo em falso.
Mais do que um impulso fútil para seguir um caminho arriscado, só porque sim, ou um entusiasmo acrítico perante as fabulosas oportunidades do mundo digital, proponho dois fatores para justificar o questionamento, pela minha geração, das carreiras ditas convencionais. O primeiro é aspiracional: a geração à qual pertenço procura “sentido” no seu trabalho, tendo dificuldade em realizar-se enquanto roda-dentada de uma engrenagem sem valores. Uma parte substancial dos jovens quer investir tempo, energia e capacidades em algo cujo impacto social, ambiental ou económico faça sentido, mesmo que isso implique receber menos, ou ter uma vida menos confortável. O emprego em ONG’s, na economia social e solidária tem aumentado mundialmente graças a isto – e não vejo aqui nada de irresponsável. O segundo aspecto é conjuntural: de que carreiras estáveis é que estamos a falar? Quem está hoje em início ou consolidação de carreira não conhece outra realidade que não a das sucessivas crises económicas e das altas taxas de desemprego, tendo entrado num mercado de trabalho em degradação há décadas, onde as “carreiras estáveis” são na maior parte das áreas profissionais um El Dorado. Se as há, são escassas, pouco acessíveis, extremamente competitivas e mal recompensadas. Não permitem viver, nem sonhar, com os mínimos. É facto que uma minoria privilegiada tem hipótese de escolha – e eu sinto-me parte desta minoria -, mas a generalidade dos jovens não procura soluções de vida alternativas porque quer, nem porque gosta. Procura porque não tem alternativa viável e porque, em muitas áreas, tem hoje menos e piores oportunidades de carreira do que os seus pais e avós tiveram.
A Economia YOLO existe. Todavia, é impossível olhar para ela enquanto fenómeno de massas ou enquanto fruto de escolha. Não é uma coisa, nem outra. É uma miragem acessível a poucos, explicada pela precariedade de muitos.
Crónicas d.C.
Há um mundo antes, durante e depois do novo corona vírus. A comunidade organiza-se, a sociedade reinventa-se e a economia treme. Entre manifestações comoventes de humanismo e vestígios desoladores de um certo “salve-se quem puder”, tudo parece indicar que testemunhamos um momento histórico com poder para reformular o modo como vivemos. É, portanto, tempo de observar, antecipar e repensar a realidade d.C (depois de Corona), no sentido de garantir que saímos desta crise para um mundo melhor.