Devíamos abolir do léxico a expressão “regresso à normalidade”. É bom que ponhamos na cabeça que o nosso velho normal já não existe, nem vai regressar tão cedo. Com elevada probabilidade, até ao final de 2021, enquanto a vacina contra o novo coronavírus não estiver disponível e generalizada, a anormalidade será o nosso novo modo de vida. Se queremos um desconfinamento gradual, tão necessário para que não morramos da cura, vamos ter de viver com isso.
Não podemos falar de um regresso, mas sim de uma entrada. Num mundo novo, aquele que nos espera depois do fim deste estado de emergência. Vamos ainda viver durante várias semanas, provavelmente meses, em estado de calamidade, que permite uma série de restrições à nossa liberdade de circulação. Duas novas expressões que entraram à força no nosso léxico vão mesmo ter de entrar à força nos nossos hábitos diários e nos nossos gestos mais rotineiros. Vamos ter de praticar distanciamento social e proteção individual fora das nossas casas. Os beijos aos avós, as festas e jantaradas com amigos, aqueles abraços com palmadas nas costas, as reuniões com muita gente… tudo isso vamos ter de deixar para trás.
Vamos ter de manter uma distância segura de toda a gente com quem falamos ou nos cruzamos na rua. Vamos ter de usar frequentemente máscaras de proteção nos espaços públicos fechados, para ir ao supermercado, ao cabeleireiro, ao shopping ou à farmácia. Os que conseguem fazê-lo terão de continuar em teletrabalho e com escalas alternadas nos escritórios. As escolas vão continuar fechadas até ao fim do ano letivo, à exceção dos 11º e 12º anos. Provavelmente, teremos apps a registar os nossos passos através dos nossos telemóveis, para ajudar na despistagem da doença.
Vamos ter de nos preparar para avançar, mas também para recuar a qualquer momento. Se for preciso, podemos ter de dar um passo atrás, como deixou bem claro António Costa. Vamos passar a seguir diariamente os números da Covid-19 como quem vê o tempo – vão ser eles a ditar as nossas vidas adiante. Vamos ter de fazer menos planos rígidos e adaptar-nos mais às circunstâncias. Será sensato amealhar mais para fazer face a imprevistos e deixar de lado alguns projetos em que não faz sentido arriscar nestas condições.
Entretanto, o mundo continua a girar e a desafiar algumas das nossas regras e lugares-comuns. Coisas como o preço do petróleo, que nos últimos dois séculos sempre foi visto como o ouro negro, e que agora recuou para valores negativos, vão continuar a surpreender-nos. A grande lição desta pandemia, que é idêntica à que ficou de todas as outras? Muito pouco nesta vida pode ser dado por garantido.
E o que pode, não tem valor: porque não vale nada ou é impagável.