Na política portuguesa são poucos os gestores de carreira que se deixam levar pela causa pública. São ainda menos aqueles que se sentam enquanto deputados na Assembleia da República. É certo que gestores de carreira como Álvaro Barreto, Eduardo Catroga, Paulo Macedo, Mira Amaral exerceram enquanto ministros, mas deputados… são poucos os que com experiência no mundo das empresas se aventuram pelos corredores de S. Bento. João Cotrim de Figueiredo é uma exceção, pelo menos nos tempos mais recentes.
No manifesto de apresentação, o Iniciativa Liberal (IL) defende “Menos Estado, Mais Liberdade”. Um objetivo que em Portugal parece utópico. No entanto, é um desígnio que o deputado e ex-gestor Cotrim de Figueiredo tem, ao longo dos seus dois mandatos na Assembleia da República, lutado por alcançar. Um desígnio que cada vez ganha mais adeptos e que permitiu ao IL passar, em menos de seis anos, de um para 8 deputados.
Com uma bancada parlamentar composta por oito deputados, isto depois de um mandato a solo, Cotrim de Figueiredo volta a agitar as águas e anuncia a sua saída da liderança do partido que ajudou a fundar. Um anúncio que não era esperado pelos portugueses, tanto mais que é um deputado – dos poucos – que no hemiciclo tem um discurso claro, coerente, fatual e próximo da realidade que se vive no dia-a-dia para lá das portas de São Bento. Isto para além de uma capacidade de comunicação e presença mediática excecionais.
No texto de anúncio de saída lê-se que a decisão tem como objetivo dar “a oportunidade a uma nova liderança de estar em funções com suficiente antecedência em relação aos próximos atos eleitorais, que terão lugar já a partir do segundo semestre de 2023”. E acrescenta que “a estratégia para que o partido continue a crescer deve ser diferente daquela que o fez crescer de forma significativa até agora”.
Numa narrativa que transmite emoção e a frieza tão necessária a quem faz análise política, o deputado demonstra que a estratégia das empresas também pode ser aplicada na vida partidária, no dia a dia da política. Ou melhor! Que é possível fundar um partido, geri-lo, fazê-lo crescer, entregá-lo à segunda geração. Numa estratégia nada comum em Portugal – veja-se o caso do PCP, que defende 65 anos como idade de reforma, mas cujo líder tem 75 anos e lidera há décadas, sem que se vislumbra sucessor ou a ida para a reforma – Cotrim de Figueiredo passa, aos 61 anos, o testemunho num momento em que o Iniciativa Liberal se afirma na cena política.
Perante factos, há que questionar quem perde. Para mim perde o País, que deixa de ter, tão presente, a voz de um dos poucos gestores de carreira na Assembleia, que deixa de ter o urso no meio da porcelana. Sim, em Portugal quem nos governa, quem legisla é de porcelana e não conhece a realidade do país, das empresas, do dia-a-dia das famílias que têm de gerir o seu papel-moeda com malabarismo diário.
Se teremos políticos de perfil semelhante? Não sei. Mas sei que o IL tem o seu espaço, que muitos dos seus quadros têm experiência no mundo das empresas. Se têm o carisma, a presença, a força agregadora de Cotrim? Só o tempo o dirá. Quanto a Cotrim de Figueiredo ainda tem muito para dar ao mundo das empresas.
Questiono-me porque não dá o mundo das empresas mais gestores ao mundo da política? Não encontro facilmente resposta. No entanto, sei que não podemos continuar a ter gerações de políticos académico ou com percursos profissionais feitos nos gabinetes de Lisboa, Porto ou Coimbra, sem que passem pelo menos 22 dias de férias por ano no Portugal feito a várias velocidades e que dita o sucesso ou insucesso do mundo das empresas.
Termino com uma reflexão minha, gostava de ver Rodrigo Saraiva nesta corrida.
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