O ditado é velho e clarificador. Ao marido da ministra não basta ser, também é preciso parecer. As leis anti-corrupção têm sido apuradas nos últimos anos, e igualmente escritas alíneas sobre incompatibilidade de titulares de cargos políticos e familiares diretos. Uma longa tradição portuguesa é legislar de manhã e encontrar inúmeras formas de contornar a lei à tarde. Chega até a ser um passatempo nacional, qual mito urbano sobre as multas da emel terem ou não legitimidade jurídica e poderem seguir para tribunal.
A minha primeira declaração de interesses é muito isenta. Nenhum familiar meu ocupa um cargo político, nem sequer público. Segunda declaração de interesses, sou a favor que marido e mulher se ajudem em tudo. A última e não menos surpreendente, acho que o marido de Ana Abrunhosa (vou tratá-lo sempre assim, sem machismos) não tem culpa da mulher que tem, entenda-se do cargo que ocupa.
Vamos por partes. Num mundo perfeito, as compras efetuadas pelo estado e a atribuição de qualquer tipo de apoios deve obedecer a regras rigorosas, e não concordo que excluam familiares de titulares de cargos políticos. Isso seria num mundo perfeito onde apenas e só a meritocracia seria fator decisivo.
Descendo à Terra, quero acreditar que os casos de favorecimento ou nepotismo são averiguados pelas autoridades e punidos. Essa era a primeira parte. Se esses dois mecanismos conseguissem funcionar em equilíbrio, talvez tivéssemos mais ilustres cidadãos de diversas áreas dedicados à política, se não existissem tantos constransgimentos e apenas o escrutínio sobre as escolhas, seria muito mais justo.
Se a mulher de algum ministro tiver a melhor competência para determinado cargo, ou for dona da empresa que apresenta a melhor proposta para determinada necessidade do ministério, porque deve estar impedida de ser contratada? Não vejo motivo.
O grande problema é esta fronteira entre o que é melhor e o que é mais conveniente a quem.
Acham mesmo que acreditamos que a ministra nunca falou com o marido sobre a natureza dos fundos? Nem o marido lhe pediu informações sobre isso? Talvez não, provavelmente só falam de livros, teatro, cultura, música e pontualmente viagens. Nunca de pessoais ou profissionais. A coesão do território e a distribuição de fundos podem ser muito aborrecidos para discutir à mesa do jantar, depois de um dia de trabalho.
Que se apure a qualidade dos projetos financiados e dos serviços adquiridos pelo estado, e se forem efetivamente de valor e os que melhor nos servem, com quem os donos estão casados ou de quem são filhos, não deve ser um fator nem de escolha nem de exclusão. Igualdade é isto.
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