O funcionamento da sociedade e a garantia do nosso modo de vida estão dependentes de uma massa gigante, anónima e pouco valorizada de trabalhadores. Isso foi absolutamente visível na fase inicial da pandemia, quando foram decretados os primeiros confinamentos. Nessa época, enquanto metade das pessoas foi mandada para casa, a outra metade manteve-se nos seus postos de trabalho a assegurar, a todos, tudo aquilo que convencionamos ter como garantido: o abastecimento regular de bens alimentares, limpeza e segurança, transportes públicos, serviços de eletricidade, de água e de saneamento básico, apoio médico e social, além de uma série de outras funções essenciais para o nosso quotidiano.
Apesar do reconhecimento público que lhes foi devido nesse preciso momento, a verdade é que as condições de vida dos trabalhadores dos chamados serviços essenciais não sofreram uma alteração significativa depois disso. Os seus salários até podem ter aumentado, aqui ou ali, mas nada que os tenha retirado, na generalidade, do fundo das tabelas de remunerações. E, no regresso à “vida normal”, a maioria depressa percebeu também que as suas condições de trabalho não se tinham alterado, que as suas funções continuavam a ser vistas como tarefas mecanizadas, sem exigirem competências especiais. E, ainda por cima, continuavam sujeitos a horários tantas vezes incompatíveis com uma vida familiar estável. Para piorar, muitos destes trabalhadores foram dos mais abrangidos pelos lay-offs e pelas vagas de despedimentos nas empresas e nos setores obrigados a reestruturações urgentes.
O resultado deste processo está agora à vista de todos: há uma crise de mão de obra generalizada, com milhares de empregos vagos que ninguém procura ocupar, quer por causa dos salários oferecidos (quase sempre ao nível do mínimo nacional) quer pelos horários insanos. Esta situação está, em muitos países, a pôr em causa a recuperação de setores vitais para a economia. É o caso do turismo, que vale cerca de 15% do PIB português, e onde continuam 15 mil postos de trabalho vagos. O cenário é ainda pior em Espanha, onde os hotéis e restaurantes apresentam um défice de 200 mil empregos, num setor que representa 13% da economia nacional. E há exemplos semelhantes um pouco por todo o mundo.
A atual situação nos aeroportos, na Europa, América do Norte e Austrália, é o melhor exemplo das consequências provocadas pela falta dos trabalhadores essenciais quando a sua presença era mais do que… essencial. Os resultados estão à vista: um caos diário, que muitos preveem ir prolongar-se até ao inverno, de cancelamentos e voos atrasados, além de muitas bagagens perdidas e milhões de passageiros à beira de um ataque de nervos por causa das longas horas perdidas nas filas para passar as fronteiras.
O caos é total e global – só não atinge, por enquanto, os países asiáticos que ainda mantêm as restrições da pandemia. E já todos concordam que, na base deste problema, está a falta de funcionários para desempenharem as funções fundamentais de um aeroporto – aquelas que a automação ou a Inteligência Artificial ainda não conseguem substituir. Mas atenção que o problema é mais vasto. Há uma onda de greves generalizada a crescer pela Europa, nomeadamente nos países mais ricos. O verão que, ainda há pouco, se pensava que seria o do regresso às viagens pode, afinal, transformar-se no verão do descontentamento. Mas que isso sirva, já agora, para demonstrar como os trabalhadores dos serviços essenciais são mesmo… essenciais.