UCRÂNIA, EXTREMOS A criminosa invasão da Ucrânia pela Rússia prossegue, com o seu terrível cortejo de destruição e morte. Como em todas as guerras, cada um dos lados dá a sua visão/versão do conflito e da realidade no terreno. Na Rússia só pode ser conhecida a de Putin, pois o esmagamento do direito à informação (nem digo liberdade de expressão) é tal que nem se pode falar de “guerra” e há penas de até 15 anos de cadeia para os infratores. Aqui, no Ocidente, há liberdade, o que não exclui a possibilidade de exageros ou distorções favoráveis à causa ucraniana. Mesmo admitindo-o, porém, é inquestionável quem são o agressor e o agredido, quem fez e faz a guerra e quem são as vítimas. Assim, como é possível haver quem venha falar de paz colocando os dois “lados” no mesmo plano e condenando quem está a ajudar a Ucrânia, mormente fornecendo-lhe armamento para se defender? Haja um mínimo de lucidez e sentido da realidade – ou, em alguns casos, de “decoro”…
No outro extremo, estão os que querem condenar os russos em geral pelas ações de Putin, e chegam ao cúmulo de enxovalhar ou discriminar migrantes daquele país, ou propor a proibição de artistas russos atuarem fora do seu país – ou até de se lerem, interpretarem, tocarem, os seus grandes clássicos. Em que raio de mundo vivemos? E, com tal “entendimento”, que teria sido dos artistas, escritores, exilados, emigrantes portugueses no tempo da ditadura?…
UMA ENVERGONHANTE IMPUNIDADE Chocante, intolerável, é o mínimo que posso dizer da sanção aplicada a um agente da PSP que, sem nenhuma razão, prendeu um trabalhador migrante que de madrugada esperava o seu transporte para o trabalho, levou-o para junto da esquadra, algemou-o, obrigou-o a ajoelhar-se, torturou-o, agrediu-o a murro, a pontapé e com uma espécie de bastão. Na cabeça, na cara, no tórax, no abdómen e nas pernas. De tal forma que sofreu “politraumatismos em várias partes do corpo, mialgia paravertebral lombar e sagrada, fratura da apófise estiloideia do cúbito do braço esquerdo”, foi engessado e teve 45 dias de doença – tudo segundo o MP (citado, no Público, pela excelente jornalista Joana Gorjão Henriques).
Face a tão desumano e cruel comportamento do polícia, com gravíssima violação de todas as normas legais, morais e que regem a sua corporação, a dita sanção, aplicada pelo Ministério da Administração Interna (MAI) por proposta da Inspeção-Geral (IGAI), foi de “três meses de suspensão” de funções. Quer dizer: quem fez tudo isto, e a frio – nem sequer numa situação de perigo ou ameaça –, no próximo mês de julho estará de novo ao serviço. Chocante, intolerável, repito. Uma vergonha que o novo MAI tem de “reparar”, sob pena de começar muito mal.
Já agora, esta nota final, quando tanto se louvam os heroicos resistentes à invasão russa: o humilhado, torturado, agredido – é ucraniano. Como o Ihor Homenyuk, morto no SEF do aeroporto de Lisboa.
MARCELO E A LISTA MINISTERIAL Ao princípio da tarde do dia 23, à porta do Palácio de Belém, até onde viera passear, Marcelo Rebelo de Sousa disse a um jornalista, com um ar vaga ou aparentemente irritado, que caso se confirmasse a lista de ministros divulgada nos média estar certa não valia a pena António Costa ir ao fim da tarde entregar-lha, como previsto. Algum tempo depois, a Presidência anunciou que fora cancelada a dita entrega. Isto é: a Presidência confirmara que a lista estava certa.
As minhas dúvidas: como confirmou, se ainda não conhecia a lista?; a lista ainda não estava em Belém ou já estaria (podendo ser daí a fuga de informação)?; e se não estava, o Presidente mandou alguém contactar o gabinete do primeiro-ministro para lha mandar? Acresce que na lista divulgada pelos média constava como ministro da Cultura André Moz Caldas, e depois na lista oficial apareceu Pedro Adão e Silva. O que sucedeu?
Este é um daqueles episódios que como muitos outros, mesmo apenas folclóricos, dão para aumentar o extenso rol de divagações, em meu juízo em geral infundadas, sobre o relacionamento entre o Presidente e o primeiro-ministro no novo quadro político. E admira-me não ter visto em nenhum lado respondidas aquelas interrogações.
À MARGEM
Augusto Santos Silva na presidência da Assembleia da República é a concretização do que se impunha fazer, por razões que de forma muito abreviada aqui já expus. Defender que neste momento não devia deixar o Governo e o MNE é uma forma de desvalorizar o Parlamento e a importância da segunda figura do Estado. Sem entrar na apreciação da estrutura e da composição do novo Governo penso, aliás, que o seu substituto no MNE está à altura das responsabilidades, controversamente diminuídas na dimensão europeia.