Fechada a primeira semana de debates de umas bizarras legislativas ainda muito marcadas pela pandemia, fico com a inquietante sensação de que estes foram mais reveladores pelo que não se disse do que por aquilo que efetivamente se tem debatido.
É evidente, e isso é normal, que esta campanha tinha de ser marcada pelo tema da governabilidade. Depois de 2015, o nosso regime assistiu a uma inflexão no sentido da sua parlamentarização e os portugueses estão hoje muito mais conscientes de que é da correlação de forças que se estabelecer na Assembleia da República que vão sair as concretas soluções de governo. Assim como estão conscientes de que deixou de haver, à esquerda e à direita, coligações impossíveis. Ora, com as sondagens a apontar para a impossibilidade de maiorias absolutas, é, pois, muitíssimo relevante perceber que cenários de coligações estão os líderes políticos disponíveis para viabilizar a seguir às eleições.
Mas feita esta exceção, a verdade é que os debates têm sido muito pouco substantivos. Julgo que vários fatores concorrem para explicar este resultado. Não estou seguro de que a duração dos debates seja um deles. Já as análises e os comentários em que nos fomos viciando, tantas vezes centradas numa lógica dicotómica de vencedores e vencidos, contribuem certamente para dar incentivos errados que promovem a teatralização e os truques retóricos em detrimento das análises mais aprofundadas das propostas políticas.
Mas são os protagonistas políticos os principais responsáveis por esta subalternização da substância e pela glorificação da forma, da teatralização, da tática e da lógica dicotómica mais superficial. Mesmo quando, aqui e ali, se debatem temas como a corrupção, o estado calamitoso do SNS ou a ineficácia da justiça, a verdade é que as discussões tendem a fazer-se de forma eminentemente instrumental. Costa esteve sobretudo empenhado em sublinhar a (ir)responsabilidade dos seus parceiros à esquerda no chumbo do orçamento. Jerónimo (mais cabisbaixo) e Catarina (em pose gélida) preocupam-se em devolver a acusação. Rio defende-se de Costa e da insinuação de que é o cavalo de Troia de um Ventura que, por sua vez, o acusa de ser o chevalier servant do primeiro-ministro. Rodrigues dos Santos faz desesperadas provas de vida, Tavares quer ser a cola de uma escaqueirada Geringonça e Cotrim, apesar de tudo o mais programático, não resiste, também ele, à moda das fotocópias. Será tudo fascinante para quem encara a política como o império da forma, mas sabe a muito pouco para quem gostaria de ver debatidas as grandes opções de governação. Não basta saber quem vai governar e com quem o vai fazer. Conviria também explicar o que se pretende fazer com o poder.
Repare-se, aliás, num dado extraordinário: estes debates começaram sem que todos os partidos tivessem sequer apresentado os seus programas. É verdade que o Bloco, o Chega, o Livre e a CDU já o fizeram há umas semanas. Mas, até à semana passada, não tinha sido o caso do PS, do PSD, do CDS ou da IL. Sobre a prioridade que os partidos querem dar ao debate acerca de questões substantivas, estamos, pois, conversados.
De fora ficou a estagnação económica do País neste século XXI e as soluções para inverter esse rumo; o perigo da inflação e da possibilidade – real do meu ponto de vista – de serem alteradas as políticas monetárias não convencionais; o problema, gravíssimo, da demografia; o falhanço da escola pública enquanto instrumento de nivelação social; e a lista podia continuar a alongar-se.
Não sei se isto diz alguma coisa sobre nós. Mas sei que isto diz seguramente muito sobre o que os nossos políticos pensam de nós: com bolos se enganam os tolos.
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