O Public Religion Research Institute levou a cabo um profundo censo religioso nos Estados Unidos, com base em mais de meio milhão de entrevistas realizadas entre 2013 e 2020, tendo apresentado publicamente os resultados no verão passado. Um dos destaques principais das conclusões a tirar a partir dos dados apurados é que existirá um acentuado declínio do sector evangélico no país. Em 2006 os evangélicos brancos constituíam 23% da população dos Estados Unidos mas entretanto o estudo revela que caíram para apenas 14% em 2020. Daí para cá essa proporção parece manter alguma estabilidade: 15% em 2017, 2018 e 2019.
Mas para onde foi toda essa gente? O estudo não o explica, todavia existem alguns fatores que nos podem ajudar a entender tal mudança. Verifica-se que, à medida que o segmente evangélico diminui, o número dos crentes religiosamente não filiados aumentou, o que sugere que enquanto as gerações mais velhas vão passando, as mais novas revelam-se menos enquadradas do ponto de vista religioso ou menos religiosas. O acesso à internet, à educação e à exposição a outras ideias e filosofias poderão ter desafiado as crenças tradicionais e criado dificuldades em lidar com as dúvidas a quem se encontrava cada vez menos confinado a bolhas religiosas. Note-se que, de acordo com o estudo, os evangélicos brancos são menos instruídos do que os hispânicos (católicos ou protestantes) ou que os protestantes negros, ficando a par dos muçulmanos, o que parece surpreendente.
O efeito Trump pode explicar em parte o afastamento das camadas mais jovens, inconformadas com o discurso e ética do ex-presidente, deixando assim que os indefectíveis se extremassem e tornassem tóxicos, associados a posturas de intolerância, arrogância, fanatismo, racismo, homofobia e ignorância. Tudo leva a crer que foi o comportamento e apoio político que levou uma faixa significativa mais moderada a abandonar o segmento. De resto, a tendência para as próximas décadas é que as gerações mais jovens se revelem menos religiosas.
Os protestantes evangélicos brancos são o grupo religioso mais antigo dos Estados Unidos, com uma idade média de 56 anos (e 54 para os católicos brancos) em comparação com 47 na população em geral, e também experimentaram a queda mais abrupta em afiliação na última década, diminuindo de 23% em 2006 para 14% em 2020. Estão mais concentrados nas regiões do sul enquanto os protestantes brancos tradicionais, que compreendiam 16% da população dos Estados Unidos em 2020, estão espalhados de forma mais ampla pelo país, com as maiores concentrações no Midwest.
Mas a proporção de americanos sem afiliação religiosa também aumentou na última década, tendo estabilizado nos últimos três anos em cerca de um quarto da população (25% em 2018, 24% em 2019 e 23% em 2020). Com base na análise do Índice de Diversidade Religiosa, o relatório do censo mostra que a diversidade religiosa continua a ser maior em condados mais urbanos e revela-se menor nas regiões do sul do país e nas áreas rurais.
Quanto à relação entre religião e política verifica-se que o cristianismo continua a desempenhar um papel central na política americana, com 83% dos republicanos e 69% dos democratas a identificarem-se como cristãos, mas diferem na proporção entre cristãos brancos e os outros. Quase sete em cada dez republicanos (68%) identificam-se como brancos e cristãos, em comparação com menos de quatro em cada dez democratas (39%). Três em cada dez democratas (32%) são cristãos não caucasianos, em comparação com apenas metade dos republicanos (14%). Além disso, quase um em cada quatro democratas (23%) não tem filiação religiosa, em comparação com 13% dos republicanos.
Segundo Robert P. Jones, CEO e fundador do referido instituto “A análise das identidades religiosas dos dois partidos políticos revela um Partido Republicano cada vez mais homogéneo, composto sobretudo por cristãos brancos, embora o país continue a tornar-se cada vez mais diverso. Em termos de diversidade racial e religiosa, os democratas autoidentificados parecem-se com a América dos anos 30, e os republicanos com a dos anos 70.”
De resto, a tese de David Gushee em “After Evangelicalism” (Louisville: ed. WJK, 2020) vai justamente no sentido de que está a nascer uma corrente pós-evangélica na América. Resta saber em que medida se irá verificar uma repercussão global.
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