Certamente iremos assistir de novo ao espectáculo do costume, quando chamarem outra vez as videntes às televisões, no início de 2021, para anteverem como vai ser o ano. Não lhes bastou o flop monumental de 2020, quando todos previram um ano magnífico, e depois veio a pandemia? E as redundâncias e enganos do costume, com aquelas receitas que normalmente dizem apenas o que as pessoas querem ouvir ou que eles presumem que vai acontecer, atendendo aos sinais do momento?
O que está por detrás disto é a velha dificuldade do ser humano em lidar com a incerteza. Para nós é sempre mais fácil o sim ou o não. O talvez é muito mais problemático porque não sabemos como agir nem o que pensar.
Engana-se quem pensa que esta circunstância é coisa nova porque sempre foi assim. Desde os sonhos premonitórios dos hebreus, passando pelos oráculos gregos, os augúrios dos romanos, baseados na observação das aves, a leitura da sina pelas ciganas, ou os horóscopos e as previsões dos videntes. A ideia de que o futuro está gravado nos astros é velha como o mundo. Os caldeus desenvolveram o conceito num tempo em que astronomia e astrologia se confundiam. Mas em pleno século XXI, com todo o conhecimento científico de que dispomos hoje, é inconcebível que uns quantos andem a enganar todos os outros com tais infantilidades.
Se nós conhecêssemos realmente o futuro com antecipação ficaríamos incapazes de conseguir viver, e muito menos de forma equilibrada. O facto de desconhecermos o futuro em concreto é que nos faz lutar pela sobrevivência, por melhores condições de vida, correr atrás dos sonhos e trabalhar em prol dos nossos filhos e netos mas também da realização pessoal.
Conhecer antecipadamente o futuro iria paralisar praticamente toda a capacidade de iniciativa, em muitos casos, ou congelar as nossas energias na concepção de projectos, nos saltos em frente ou nas mudanças mais ou menos radicais que cada um terá que fazer alguma vez na sua vida.
Muitos deixariam de casar, sabendo que sofreriam um divórcio doloroso mais tarde. Optariam por não ter filhos, sabendo que haveriam de vir a descarrilar na vida ou a ter um fim trágico. Não nos empenharíamos em desenvolver amizades, sabendo que viríamos a ser traídos. Deixaríamos de trabalhar em determinadas áreas profissionais ou empresas, sabendo que desapareceriam a prazo ou seriam destruídas, com elevado prejuízo pessoal.
Assim, a vida tornar-se-ia monótona, destituída daquela pitada de sal que a torna palpitante. Já não haveria lugar à celebração de qualquer vitória pessoal alcançada, a nível académico ou profissional. Já não se celebrariam aniversários de familiares ou amigos, nem se cantariam os votos de “muitos anos de vida”, uma vez que já sabíamos quando a pessoa iria morrer. Os alunos deixariam de estudar, uns porque sabiam que seriam aprovados no final do ano lectivo, outros porque conheciam que o chumbo era certo. Os atletas deixariam de treinar, ou por saberem antecipadamente que seriam campeões, ou porque sabiam que não o conseguiriam. Os empresários deixariam de investir ao saberem que o negócio ia correr mal, e outros deixariam de trabalhar afincadamente sabendo previamente que o negócio daria bom lucro.
A superstição campeia sobretudo em tempos de crise. Muitos dos grandes estadistas mundiais são e sempre foram sensíveis a este embuste, assim como artistas de topo e figuras públicas. O facto é que são gente, feitos da mesma massa que todos os humanos. Também sofrem ansiedades e receios, também são frágeis, independentemente da imagem pública que cultivam, também têm muita dificuldade em lidar com a incerteza.
No Sermão do Monte Jesus respondeu a esta antiga dificuldade humana, quando afirmou: “Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal” (Mateus 6:34). Os dias são para ser vividos, mas um de cada vez. Cada um deles trará as suas alegrias e dores. O problema de amanhã nunca poderá ser bem resolvido hoje. Agora é tempo de tratar do problema de hoje, de sofrer a dor de hoje, de gozar o prazer de hoje. Portanto: “Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? Porque todas estas coisas os gentios procuram. Decerto vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas. Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (6:31-33).
Mas é claro que para isso é necessário ter fé, pois se a incerteza quanto ao futuro faz parte da vida, a fé em Deus liberta confiança e dispensa-nos de cair nas mãos do embuste astrológico à la carte.