A União Europeia (UE) chegou a esta formulação depois de um longo percurso iniciado nos anos cinquenta. Depois da guerra, o lançar da semente de uma Europa de paz, de solidariedade, de direitos sociais continua a ser recordado por quem já percebeu que a autenticidade não permite um discurso de abstrações.
Sabemos todos do tempo e da forma como de seis passamos a vinte e oito, de CECA/ CEE a UE, sabemos das críticas feitas em muitos dos momentos fundadores.
Algumas dessas críticas usavam palavras que devem ser utilizadas agora, num discurso concreto, contra a abstração de quem é a favor ou contra a UE.
As palavras são desde logo democracia e igualdade. É um absurdo, em 2016, insistir-se no alinhamento tradicional de forças políticas, a começar pelas portuguesas, como se numa estante com dois quadrados: o que quer a UE; e o que não a quer.
A autenticidade exige que se caracterize o estado da União. A partir dessa caracterização, temos de afirmar sem rodeios se alinhamos no caminho que se vai fazendo ou se lutamos para o contrariar. Nesse sentido, só por anacronismo ou por saudosismo de um ideal europeu que anda desaparecido pode alguém afirmar, sem trair a inteligência, que CDS, PSD e PS são pró-europeus ponto final.
Esse discurso serve apenas a estratégia do momento, a estratégia de inventar um mundo dicotómico, inultrapassável, porque PS está a governar com o apoio parlamentar de partidos que os analistas propositadamente simplistas revelam como caçadores do projeto europeu.
Acontece que aderir ao projeto europeu enquanto socialista ou fazer o mesmo enquanto PSD ou CDS é, hoje, uma clivagem substancial mais forte do que qualquer outra que a direita tente usar como medo em tempos marcados pelo método.
Para um socialista, a UE não pode continuar a substituir igualdade por hierarquia, inversão à qual a direita portuguesa aderiu enquanto governava e adere enquanto família política alargada.
Para um socialista, a UE não pode continuar a atacar as democracias, atuando de forma ilegítima e imoral, cuidando de eventuais sanções a um défice resultante de uma política ditada, devoradora de dignidade, abraçada pela direita e cega à destruição das classes médias, do emprego com direitos ou dos níveis dignos de sobrevivência.
Para um socialista, a UE não pode reinventar um episódio de traçar de mapas, agora o norte e o sul, os trabalhadores do Norte e os do Sul, uma UE feita imperador que amnistia quem na verdade manda, a Alemanha, e manda executar o povo grego, insistindo na mesma política provada de devastação.
Para um socialista, a UE não pode ser a organização mais dispendiosa do mundo, sujeitar a sua legislação a relatórios sem voz (já fiz alguns) por parte dos parlamentos nacionais em matérias de direitos fundamentais, apenas para fins procedimentais, e depois viver bem com os efeitos diferenciados do Euro.
Para um socialista, a UE não pode vangloriar-se de ter chegado a 28 Estados-membros, desejosos da tal da liberdade de circulação, e agora verificar que são os Estados da União com o projeto da liberdade e da solidariedade que fecham fronteiras a refugiados, com o respaldo das políticas burocráticas e por isso miseráveis da UE.
Ser socialista e ser pela UE é dizer isto tudo. É dizer que a UE é hoje o campo de combate contra o horror não democrático do caminho único desta União partida.
Nunca foi tão importante ir para além dos slogans, como pró-UE, nunca foi tão importante dizer das palavras igualdade, democracia e respeito contra as palavras hierarquia, nepotismo e medo do outro.
É difícil? É. Mas ser socialista e estar na UE é afirmar tudo isto em Lisboa e em Bruxelas, fazendo pontes, insistindo sempre, cientes do fim do projeto europeu se nada for feito e a governação desigual e o medo do outro vencerem.