A emigração portuguesa nos últimos vinte anos é talvez um pouco diferente da que se viveu no passado quando se formaram as grandes comunidades em França, no Luxemburgo ou no Canadá. As condições terão sido muito mais duras e as diferenças entre as aldeias, com poucos recursos e às vezes até sem eletricidade de onde se partia, contrastavam abruptamente com cidades no futuro como pareciam ser Paris ou Frankfurt. Hoje há muito mais semelhanças e, principalmente, é mais fácil voltar a casa, comunicar através de videochamada ou até enviar e receber coisas boas para matar saudades apertadas. Até receber bacalhau e enchidos pelo correio. As comunidades de portugueses existentes pelo mundo fora são, porém, muito diferentes nas suas dinâmicas de atividades, com e sem as embaixadas. Quando se contam alguns milhares de portugueses em Munique, por exemplo, faz sentido haver restaurantes de cozinha tradicional, supermercados, associações e eventos de todos os tipos. Já para não falar de Paris onde as inscrições consulares ultrapassam os 900 mil. Mas há comunidades “de todos os tamanhos e feitios” e, tal como me foi confirmado quando se gravou por cá o episódio da série “Portugueses pelo Mundo”, há portugueses por todo o mundo até nos lugares mais improváveis.
Como é de esperar, a comunidade portuguesa residente na Eslovénia é bastante reduzida e diversificada. Isto é, um total de 21 registos consulares mas que se estimam ser na realidade 50 residentes, sem contar com os estudantes que a cada ano chegam em maior número (mas apenas por um ou dois semestres). O país em si tem apenas dois milhões de habitantes e não é conhecido como um destino para quem procura melhores salários, como é o caso das vizinhas Áustria e Itália, onde a nossa diáspora é muito mais volumosa. Ajuda o facto de a língua eslovena ser difícil e, sobretudo, distante das línguas de raiz latina com que estamos mais à vontade. Por outro lado, a Eslovénia ainda é um país pouco conhecido pelos portugueses, cuja imagem é muito carregada pela guerra da Jugoslávia, que na Eslovénia durou apenas dez dias. Só quem cá vive(u) conhece a grande qualidade de vida que, com a amabilidade, honestidade e humildade dos seus habitantes faz da Eslovénia um país quase imaginado.
Aliás, tipicamente, o português (e a portuguesa) que decidem vir morar para este lugar plantado entre os Alpes e o Adriático, vem por amor ou por aventura. A comunidade de portugueses é feita de cientistas, artistas, engenheiros, jornalistas, empresários e de tudo um pouco. E distribuídos um pouco por todo o país, desde Kranj e Radovlica nos Alpes, até Krško já quase na fronteira com a Croácia, Maribor perto da Áustria, Vipava a caminho de Itália, e com a grande maioria a viver na capital Ljubljana. As histórias dos lusitanos que vieram conquistar a Eslovénia e que cá vivem, repetem-se em lugares comuns salpicados de romance que confirmam a inacreditável complementaridade entre eslovenos e portugueses. Todas as histórias são fascinantes também porque esta comunidade é feita de pessoas de uma forma ou outra especiais, e que na maior parte dos casos deixaram tudo para abraçar esta aventura de ser luso-esloveno. E talvez seja esta a fórmula mágica que torna esta comunidade especial. As pessoas que apresentamos nesta edição, através dos retratos que a acompanham, são uma pequena amostra disso mesmo. Muitas mais há para mostrar e contar, pelo que fica o convite a uma visita para os conhecer.
A sua heterogeneidade é a sua riqueza e, com as sua micro dimensão, podia ser um grupo muito disperso e inativo. Mas não o é. Tem-se dinamizado por inúmeros esforços de voluntários, portugueses e eslovenos, que celebram datas imprescindíveis (como o 5 de maio e o 10 de junho), com eventos culturais recorrentes e até um simpósio dedicado ao multilinguismo que vai já na terceira edição. Há fados e festas populares, sim, mas talvez com uma dimensão diferente, muito virada para a promoção da Língua e Cultura Portuguesa. É difícil dizer ao certo quando estas iniciativas terão começado. Houve vários encontros de iniciativa independente para partilhar a portugalidade tão longe de casa. Em 2009 já eu próprio organizava um festival de cinema de três dias com o apoio da embaixada, e simultaneamente se preparava a Associação de Amigos Esloveno-Portuguesa, oficialmente fundada em 2011. Esta associação tem vindo a organizar tertúlias literárias, eventos de fado e gastronomia, apoio aos pais de crianças bilingue (incluindo a organização do Simpósio), entre outras atividades de relevo. A revista Sardinha chega em 2013 no mesmo ano em que deixamos de ter representação diplomática no país. Esta publicação bilingue, totalmente escrita em Português e Esloveno, mostra-se desde cedo como um dinamizador cultural, organizando espetáculos e exposições, encontros culturais e sociais (como o foram as primeiras celebrações dos santos populares), aulas de português gratuitas e ciclos de cinema português, na sua grande maioria em colaboração com voluntários da comunidade que acreditavam na causa comum.
Mas esta comunidade é bem mais do que encontros em eventos formais. Há um grande prazer na partilha e é nesse contexto que todos nos encontramos, com todas as nossas diferenças, para partilhar o pouco que há muitas vezes – ao que já se chama por piada “o milagre da multiplicação do bacalhau” que só cá chega por correio enviado pelos familiares. E seria injusto não falar dos muitos eslovenos que têm vindo a participar ativamente nos nossos eventos e iniciativas, e que com a sua vontade de fazer e aprender, trazem novas perspetivas, ideias e abordagens. Ao contrário do que seria natural, estes eslovenos não se resumem aos maridos, esposas, namorados e namoradas mas estendem-se por muitos outros que estiveram em Portugal (não por causa do Brasil como é comum) e querem conhecer mais, aprender a fazer pastéis de nata, ler os nossos autores e jogar os nossos jogos tradicionais. E que fazem desta pequena grande comunidade uma comunidade enorme num contexto tão peculiar que pode até ser único, quem sabe?