Há poucas festas como as festas de casamentos, e finais de agosto é a estação delas. As tradições são várias aqui na Eslovénia, não só porque espelham um país com uma grande diversidade cultural, mas também porque é casa de sérvios, croatas, macedónios e albaneses que trazem consigo as suas próprias tradições. É sobre isso que vos vou falar, hoje que se voltam a cancelar casamentos devido às restrições impostas pelo Instituto de Saúde Pública.
A família é muito importante nesta região da Europa, uma estrutura social fundamental e muito apoiada pelos governos que vão passando. Não interessa a que religião se pertence – sendo a Católica a mais forte (principal na Eslovénia e na Croácia), seguida da Ortodoxa (principal na Sérvia e na Macedónia), e da Muçulmana (mais comum na Bósnia e Albânia). Embora essas diferenças tenham sido pretexto para uma guerra sangrenta num passado recente, não parecem ser hoje razão para distanciamentos ou discriminações. Há outras coisas com que as gentes de cá têm para se preocupar.
E estando a família numa posição tão central na vida dos demais, o casamento é uma celebração importante, muito como em Portugal, especialmente quando junta famílias de origens e muitas vezes nacionalidades diferentes. Vim ontem de um casamento entre um esloveno e uma francesa, e estive há duas semanas noutro casamento entre um esloveno e uma suiça. Não é pouco vulgar ver casamentos internacionais por cá, tendo em conta que a Eslovénia é um país pequeno no centro da Europa por onde sempre passaram muitos de muitas outras culturas.
Sendo a Eslovénia uma terra de vinhos, embora numa produção muito menor que a nossa, as caves são pontos de encontro para a celebração de eventos importantes deste calibre, onde os visitantes não vão de certeza sair com sede. Houve até casamentos aos quais assisti onde a certa altura se fizeram visitas às caves e provas de vinhos. E é comum que alguns destes espaços sejam antigos castelos no topo de montes com vistas maravilhosas para dar ainda mais brilho ao casamento. A união é muitas vezes celebrada pelo presidente da câmara com um medalhão especial da cidade ao pescoço, a dar as boas vindas aos noivos tal como acontece provavelmente desde os tempos medievais.
E depois há casamentos mais modernos, com todos os requintes que agradariam ao mais exigente gourmet, e outros bem mais tradicionais. Nos mais tradicionais, praticados no interior da Eslovénia, é costume instalar uma árvore despida de ramos – a que chamam mlaj – para anunciar a época festiva. Esta frequentemente tradição envolve o trabalho físico dos homens da vila antes do dia do casamento, os mesmos que se juntam para a festa de despedida de solteiro em tratores enfeitados, música popular a bom som (a música pimba da região, baseada no acordeão, a que se chama golica), e uma cruz de madeira que o noivo vai ter que carregar dia e noite.
Os casamentos sérvios são também comuns e muito mais exóticos para nós portugueses, onde o rakija (aguardente de ameixa ou marmelo) e o trompete são reis. Mais difíceis de festejar nestes tempos de covid, pois requerem muita gente muito bem-disposta. Bebe-se, come-se e dança-se em cima das mesas, mesmo como nos filmes que conhecemos do Kusturica. A localização não é assim tão importante, até já estivemos num que se celebrou em frente ao prédio do pai da noiva ali no parque de estacionamento. Mas a animação é garantida, especialmente quando chega a tradicional fanfarra que vai tocando à volta de quem vai dando gorjetas aos músicos (a quem chamam trubači). E há por vezes alguém que ainda tem uma kalashnikov que ficou da guerra para dar uns tiros para o ar para celebrar a alegria do momento. Sim, ainda acontece e, com o álcool que vai correndo, é má combinação. Mas, enfim, não se vivem estes momentos todos os dias e coisa que nunca vi foi uma luta de bêbados no final da festa, o que podia tornar as coisas mais perigosas.
E há até quem de cá tenha escolhido ir casar a Portugal. Sem conhecer lá ninguém ou sem ter alguma relação fundamental com o país, mas apaixonados pela imagem que têm dele. O casal que conheço foi direito a Sagres e teve o sapateiro como testemunha, que gentilmente aceitou o pedido. Sim, o casamento deve ser principalmente uma festa para os noivos, para celebrarem o seu amor num momento que ficará para sempre nos corações dos protagonistas e dos presentes.