Há poucos dias a Eslovénia anuncia o fim da epidemia, sendo o primeiro país a cancelar esta condição. Isto acontece depois das autoridades confirmarem que são menos de sete os novos casos de infeções diárias durante duas semanas. É sem dúvida um fenómeno, tendo em conta a proximidade com a Lombardia, em Itália, que tem sido desde o início da pandemia das zonas Europeias mais afetadas e com a qual há frequente comunicação. O sentido responsável da população foi um fator importante deste sucesso, assim como uma atuação rápida e estruturada do instituto de saúde pública. Porém, muitos apontam ter sido uma decisão política, não tendo a aprovação da saúde pública nacional. Irá sem dúvida ajudar a reduzir as drásticas repercussões que a crise irá ter no turismo, que tem um papel importante neste país.
Embora os dois milhões de cidadãos serem um número reduzido e talvez mais fácil de controlar, a Eslovénia tem outros desafios como o é o facto de ser um país central a esta região da Europa, com frequente transição de pessoas de, e para os países vizinhos. Embora com a instabilidade causada pela mudança de governo em plena entrada das medidas de restrição, as autoridades nacionais de saúde pública conseguiram fazer um trabalho exemplar de controlo da epidemia. Ainda assim, Borut Pahor, o Presidente da República Eslovena, elogiou o povo português pela sua determinação na luta contra o coronavírus numa declaração comunicada em língua Portuguesa pelo próprio (veja o vídeo).
A quarentena parece ter sido mais tranquila que noutros países europeus, talvez devido ao acesso facilitado à natureza e ao desporto ao ar livre, continuado durante este período de restrição. A floresta eslovena cobre 54% do país, e também a capital tem uma presença marcante da natureza, o que ajudou bastante as famílias que, durante a quarentena podiam usufruir dela, mantendo a distância e não saindo da localidade de residência. As escolas e parques infantis mantiveram-se fechados até dia 18 de maio, quando os infantários e alguns anos escolares abriram para um número limitado de crianças que terá vindo a aumentar, mantendo regras específicas para garantir estabilidade na evolução da epidemia.
Na semana que se seguiu ao Primeiro de Maio findou a quarentena obrigatória, e abriram muitos dos bares e pequenos negócios que rapidamente se encheram de quem esperou muito por estes dias de sol. O Primeiro de Maio é muito importante na Eslovénia e países vizinhos (por exemplo, na Áustria), quando os dias são ensolarados e abre a época de churrascos e piqueniques. Houve muita pressão para que o governo abrisse restrições, e foi nessa altura que se autorizou a saída da localidade, por exemplo. A população reconhece a importância de respeitar as regras de segurança que lhes permitem uma maior flexibilidade relativamente à mobilidade e à qualidade de vida. Essa mesma qualidade de vida que tanto se preza e poderá estar em risco para muitos.
Tem sido uma boa oportunidade para se conhecer em primeira mão o que se faz por cá. Exemplo disso é o concerto online da famosa banda eslovena Jimmy Barka Experience (que lembra um pouco os portugueses Orelha Negra), a partir da sala de espetáculos Kino Šiška. Deu início ao já tradicional festival Druga Godba que costuma ser nesta altura do ano, com interação com a audiência através do Zoom promovida pela iniciativa Štream. Outros palcos serviram a espetáculos do grupo artístico Ana Monroe, promotor do tradicional festival de teatro de rua Ana Desetnica, em zonas residenciais ainda durante a quarentena. Porém, estes esforços no meio artístico têm sido pouco apoiados pelas instituições governamentais e a precariedade começa a ser mais visível tanto na arte como no turismo. Esta instabilidade é transversal a várias áreas de atividade, que também se refletem no encerramento de espaços de culto, como foi o caso do Pocket Theatre de Carlos Pascual. Iremos voltar a este tema em breve, para perceber melhor como é que a oferta cultural na Eslovénia se tem vindo a reinventar, e como é que as audiências têm vindo a apoiar essa nova existência cultural. A insatisfação de uma parte representativa da população levou a protestos pacíficos na capital eslovena que se espalharam um pouco por todo o país. Tiveram início nas varandas durante a quarentena (o que fez lembrar a bonita celebração Portuguesa do 25 de Abril com o canto do Grândola Vila Morena, também das varandas), e desceram às ruas no Primeiro de Maio, tendo vindo a acontecer todas as sextas-feiras, contando com mais de 10 mil ciclistas nas ruas nesta última. É uma ação honesta, seguindo à justa as regras de segurança, que até já teve a simpatia da polícia que tem estado presente. Junta pessoas de todas as faixas etárias sem um líder ou manifesto específico. Infelizmente a situação de instabilidade promovida pela pandemia tem sido uma oportunidade para regimes autoritários. Esta é essencialmente uma expressão de descontentamento de grupos e indivíduos muito heterogéneos, que vêm para as ruas sem cores políticas para defender a sua maneira livre de viver as suas vidas, as garantias sociais que têm permitido saúde e educação gratuita, e de viver a natureza que tanto prezam e pode estar em risco. O atual governo viu anteriores manifestações em 2013, que também se prolongaram por várias semanas – alcunhadas de Protestival, ou Festival Protesto.