“Em 10 minutos teremos o resultado.” 10 minutos é o tempo necessário para se saber se se é Covid positivo ou negativo com um teste rápido. São também 10 minutos onde cabe um mundo inteiro. Não sei se sabem qual a sensação de não conseguir respirar. É como se nos esganassem lentamente. Tem-se exactamente essa mesma sensação que os peixes terão quando os arrastam do mar. Inspira-se e o ar não está lá. Tenho asma há vários anos. Sei o que é perder o ar, sei também o alívio que existe em sentir novamente os pulmões cheios de ar. Foi exatamente a falta de ar que me conduziu a esses 10 minutos. Os médicos são, de facto heróis. São-no porque apesar do medo que lhes vejo no olhar estão lá. Apesar das várias máscaras sobrepostas, dos óculos, da viseira, dos fatos e das palavras que se tornam difíceis de entender eles não hesitam. Denota-se ainda uma aprendizagem: no toque, na distância a manter. Mas nunca na ação.
Este vírus transforma-nos, gera em nós um comportamento de auto-defesa inconsciente. Quando a senhora, que estava a uma distância segura de mim na zona da triagem, começou a vomitar o meu primeiro pensamento foi: “se não tenho o vírus ela vai-mo passar” para imediatamente me aperceber da falta de humanidade existente nisso. Mas enquanto me ocorreu este pensamento de 3 segundos, o médico já lá estava. É essa a diferença entre nós e eles. Nós pensamos. Consideramos. Eles agem.
A vida transformou-se numa verdadeira cena de um filme. Confesso que parei na entrada das urgências deste hospital americano e não o reconheci. Há um mundo cá fora, parado, estagnado, silencioso, e um mundo lá dentro, inundado do som das buzinas das ambulâncias, de rostos que desapareceram atrás de máscaras, cadeiras colocadas a distâncias alinhavadas, bombas e máscaras de oxigénio em todo o lado e pacientes silenciosos. Que estranho entrar numa urgência e não ouvir gemidos de dor, ais. Apenas silêncio. Percebemos. Não há ar que se possa gastar com os ais.
Talvez se todos víssemos o que se esconde por detrás do cimento das paredes de um hospital percebêssemos. Eu achava que sabia, pelo que li, pelo que vi nos ecrãs. Na verdade não sabia nada. Não sabemos nada. Nenhum ecrã nos conseguirá mostrar o medo que vive naquelas paredes, o medo enroscado no silêncio.
“É negativo”, disse-me o médico. Mas eu soube-o ainda antes de lhe ouvir as palavras. Quando abriu a porta já só lhe vi uma mascara no rosto e o fato tinha desaparecido. Mas vi-o primeiro de tudo no olhar. Trazia neles o alívio que está dentro de um negativo.
Afinal pode ser que seja apenas a minha asma. Vim para casa e tomei um longo banho. Esfreguei-me como não recordava fazer. A Covid-19 infesta-nos de uma sujidade invisível que não sabemos bem como limpar de nós. E, ali, debaixo do chuveiro poderia ter chorado. Não de alívio. De felicidade. Por estar na minha casa. Se soubéssemos o quão precioso é podermos estar em nossa casa, capazes de respirar, sem o barulho das buzinas e dos ventiladores a quebrar o silêncio talvez jamais a deixássemos.
Mandem-me o segundo negativo. Eu fico em casa.