Hoje, a avó está na lavra, donde vai tirando algum sustento e colocando alguns verdes na mesa. O pai está para o mar por estes dias. À porta de casa, Castigo aparafusa e põe óleo na roda, quase de olhos fechados, de quem está habituado a dar uma mão na oficina do bairro a arranjar bicicletas.
As oportunidades são raras por aqui e muito menos para pessoas como Castigo. Por isso, ele não perde uma. Vai alternando o tempo numa associação de pessoas com deficiência, onde aprendeu a fazer cestos, esteiras e tapetes que são depois vendidos para fora. Entretanto, anda a tentar dedicar-se à serralharia, e ainda a lavar carros para ir juntando uns trocos. Quer apressar o dia em que poderá levar a avó e o pai para uma casa própria que há de construir com as próprias mãos, num terreno que já conseguiu comprar com a força do trabalho e a teimosia de quem não se deixa abater pelo peso da discriminação.
Castigo teima em não carregar o destino no nome. Órfão de mãe desde tenra idade, Castigo deixou de andar aos 12 anos, depois de ter sido mordido por um rato. Isso não o fez parar, nem queixar. Trabalhou num cinema local, onde cobrava os bilhetes de entrada. Teve que aguentar pessoas que preferiam atirar-lhe o dinheiro para o chão para não terem que tocar-lhe nas mãos. Castigo fartou-se de ser mal tratado e humilhado, apenas por estar numa cadeira de rodas.
Em 2016, o basquetebol e o treinador Domingos Langa (Tio Langa) entraram na vida dele, através da Associação Desportiva para Pessoas com Deficiência em Sofala. “Eh pá! O que é que o basquete me trouxe? Até me arrepio quando jogo. Tornou-me noutra pessoa. Antes, acordava e não tinha o que fazer. O prazer é muito”, lança sem hesitações. “Só pode ser bom, pois toda a gente grita pelo nome dele quando ele pega na bola”, orgulha-se o treinador. Foi em Julho de 2016. Amor à primeira vista. À primeira jogada.
Castigo fala com o mesmo brilho nos olhos da namorada, que conheceu nos trabalhos de tapeçaria. Também ela numa cadeira de rodas. Também ela a fintar um destino à partida com menos oportunidades.
Hoje, Castigo está a consertar a sua cadeira de rodas. Tinha um triciclo que lhe facilitava a locomoção, mas até isso se estragou com o ciclone. Não tem importância. Enquanto não encontra solução para soldar ou substituir o ferro partido, improvisa com uma cadeira de plástico com rodas acopladas. Nunca se queixa.
Hoje, a Ovarense “foi” à Beira, conhecer finalmente Castigo e o treinador de basquetebol adaptado na província de Sofala. Castigo chegou a Ovar através das redes sociais. Palavra passa Palavra e rapidamente a Ovarense mobilizou-se para enviar uma camisola do clube assinada pela equipa sénior e palavras de Atitude, Dedicação e Orgulho (lema emprestado das siglas ADO- Associação Desportiva Ovarense).
Castigo teima em não carregar o destino no nome. “Não é do meu tipo perder”, assegura com a confiança de quem nunca desistiu de driblar numa sociedade cheia de obstáculos.
“Quando estou em campo, com a bola, com a equipa, esqueço tudo, sai tudo da cabeça. Só penso em encestar, só foco no cesto. O basquete mudou a minha vida.” Como nós, em Ovar, te entendemos. Obrigad@, Castigo!