O ar cansado era visível. Talvez mais do que cansado. Uma pontada de impotência, quiçá desilusão. Mas aqui não sobra tempo ou espaço para o eu. É o outro que importa. São os traumas, as necessidades, as urgências do outro que contam. Quando ela se sentou à mesa e soltou um suspiro entre os muitos trabalhadores humanitários, não foram necessárias palavras para que todos entendessem.
Percebi tudo na primeira noite. Percebi que dificilmente se despe do corpo o desespero, a necessidade urgente de ajuda com que os refugiados chegam. Percebi-o nos olhares dos trabalhadores humanitários que tentam furtivamente escapar à dor que paira no ar do maior campo de refugiados do mundo. E imaginar que esta é uma pequena gota no oceano. Globalmente, quase 70 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar as suas casas. 25 milhões são refugiados. O mundo continua a bater recordes, mas as causas mantêm-se: guerra, violência, perseguições, desastres naturais.
Mas o mundo é um lugar belo se imaginarmos as milhares de pessoas que deixaram para trás a comodidade do seu mundo para dedicar a sua vida a salvar outras vidas, ali longe, num outra cultura, num outro lugar, onde mora uma outra mentalidade, onde há perigo, onde falha a esperança. Sentada debaixo de uma árvore, lá longe dos campos polvilhados de casas de bambus, Sunee Singh, do Programa Alimentar Mundial, desabafava em entrevista o que o último ano e meio não apagou. “Julgo que sofro de stress pós-traumático”. A chegada em massa dos rohingya ainda lhe habita os sonhos. Mas não há tempo para parar. Resta muito por fazer. Sempre. Não há tempo para parar, porque o trabalho é para ela, como para tantos outros, uma missão.
É visível. Mora nos trabalhadores humanitários uma necessidade urgente de ajudar. Mas é uma missão heróica com consequências graves. Um dos últimos relatórios, realizados pelo The Guardian, indica que 79% dos trabalhadores humanitários apresenta problemas de saúde mental: esgotamento, depressão, ansiedade, stress pós-traumático. Surpreendente? Mais de 100 trabalhadores são mortos anualmente em zonas de conflito e violência. Quase 200 são raptados ou feridos. Surpreendente? Talvez não, tendo em conta o cenário mundial. Mas estaríamos nós dispostos a abandonar tudo e partir?
Escreveu outrora Martin Luther King Jr. “A mais urgente e persistente questão da vida é: o que é que estás a fazer pelos outros?” A nossa resposta pode ser dúbia. Mas a deles, a dos trabalhadores humanitários, não. Estão a fazer tudo. Tudo o que o mundo lhes permite fazer. Ali longe, em Cox Bazar, no Bangladesh, com um sorriso largo, Sunee Singh confidencia: “Há muitos que acham que fazemos isto por dinheiro. O que eles não sabem é que não há dinheiro que pague a satisfação de poder salvar pessoas. Eles não sabem que a vida deles é mais importante que a minha.”. Afinal os heróis não usam capas. São de carne e osso. Como nós.