Cresci numa família típica portuguesa dos anos 70 e 80, com refeições a horas precisas e mães e avós exímias cozinheiras. Uma sandes ou um prato frio só era opção num piquenique ou se uma viagem qualquer forçasse um tardio regresso a casa. Mas mesmo nesses casos extremos e inquietantes, passava-se pela Cunha para levar uns rissois e uns croquetes que serviriam de jantar fora de horas.
Conclusão. Nunca precisei de cozinhar e por isso nunca me desenrasquei em frente a um fogão.
Quando, no pré-jurássico, deixei Portugal, tive de me desenrascar com pratos preconfecionados ou cozinhando refeições extremamente simples. Mas quando comecei a ter dinheiro para isso, passei a ser um assíduo frequentador de restaurantes,
A vida fez de mim, no que diz respeito a comer fora, o equivalente de um frequent flyer. Se houvesse um cartão de frequent eater eu teria pontos suficientes para jantar em restaurantes até ao final da minha vida, que será obviamente muito longa.
Como qualquer bom português, sempre que me instalei numa nova cidade ou país procurei imediatamente os restaurantes e cafés portugueses. De Varsóvia a Londres, de Sevilha a Riga, já experimentei muitas casas lusitanas.
Não querendo armar-me em esperto – nem em “experto”, que em português dos países francófonos é frequentemente confundido com “expert” (perito) – considero-me um digno conhecedor da paisagem gastronómica lusa na Europa.
Nessa qualidade de experiente “não-expert” venho hoje aqui para me queixar daquilo a que chamo “o síndroma do bife com molho de pimenta”.
Um dos primeiros restaurantes portugueses que frequentei fora de portas era uma excelente e reduzido espaço em Ixelles chamado, creio, “Le coin des artistes”. Aí comi as melhores amêijoas à Bulhão Pato da minha vida, além de extraordinária carne de porco à alentejana.
Apesar de estar lotado das 19 às 24 horas com clientes de todas a nacionalidades, o dono do estabelecimento tinha decidido colocar na ementa (um velho termo que quer dizer a mesma coisa que aquilo a que agora alguns chamam menu ou carta) vários tipos de bifes com molhos que em Portugal eram extraterrestres até à chegada dos “chefs” e da corrida ao Michelin.
No Coin podia comer-se bife com molho de pimenta, bife com três pimentas, bife com molho “béarnaise”, entre outros manjares tão pouco portugueses.
Interrogado sobre a presença desses pratos na ementa, o proprietário do restaurante disse-me: “há muitos belgas e gente de outras nacionalidades que não vinham cá se não tivesse esses pratos”. É o que se chama “em Roma sê romano”, apesar de eu não me recordar de ver um único “steak au poivre” servido nas meses do Coin. A clientela – de todas as origens geográficas e culinárias – visitava o restaurante por causa dos excelentes pratos portugueses e “mainada”!
O síndrome do bife com molho de pimenta afeta os restaurantes e cafés de outras origens e não só os da diáspora portuguesa. Apesar dessa tendência, a globalização culinária tem feito muito pela especialização e cada vez mais há locais que “não têm vergonha” nem receio de propor uma ementa exclusivamente de uma nacionalidade.
Contudo, ainda um dia destes no sul de França, a dona de um restaurante me explicava que só tinha Sagres Mini porque “aqui os franceses só querem cervejas pequenas. Sabe, cada um tem a sua toleria”, concluiu.