Em fins de Abril passado, os alemães declararam (mais uma vez) oficialmente aberta a época dos aspargos e morangos. E isso é bom, por um lado, porque significa que pelo menos para algumas coisas ainda há uma época específica durante o ano em que as podemos desfrutar porque é nessa época que a natureza nos brinda com a sua possível existência. E assim os alemães, como povo, passam dez meses à espera desse final de Abril para poderem passar os próximos dois meses literalmente enfartados de aspargos e morangos. E isso é menos bom, não tanto pelos morangos (quem é que desdenha uns moranguitos ao pequeno-almoço?), mas aspargos (ou espargos) todos os dias, a todas as refeições, a acompanhar todos os pratos e até na sopa, não obrigado!
É difícil escapar-lhes pois eles estão por todo o lado, de todos os tamanhos, verdes e brancos como sportinguistas, nos supermercados, restaurantes, cantinas, e em pequenos quiosques conspícuos espalhados pela paisagem campestre e no meio das cidades, que despontam como cogumelos, mal começa a época dos aspargos e morangos.
Não me percebam mal, não é que eu não goste de aspargos; não digo que não a um pratito de aspargos com molho Hollandaise e umas fatias de presunto, uma vez, lá de vez em quando. Mas para mim, os aspargos são só o pretexto para encher o prato de molho Hollandaise. Mas os alemães não se contentam com isso. Conheço uns que ficam doidos. Comem aspargos todos os dias, ao almoço e ao jantar. Falam de aspargos uns com os outros. Vão cedo comprar aspargos para os apanhar mais frescos. Sabem quais os melhores sítios para os comprar e pedem ao vendedor para reservá-los. E sabem dizer a quanto está o aspargo hoje de manhã (sim, discutem a cotação do aspargo como quem discute a do barril de petróleo). E perguntam-te se já compraste os teus aspargos hoje. E se não, de que estás à espera…
Não me lembro de que aspargos fosse coisa que aparecesse no nosso prato lá em casa quando era miúdo. E se apareceu talvez nunca tivesse associado o vegetal ao nome. Não era algo que se falasse na escola ou aparecesse nos livros, como os tomates ou as abóboras. Aliás basta comparar o tamanho da página alemã do Wikipedia sobre aspargos com a portuguesa para se perceber a importância que lhe damos (desmintam-me se me engano). Aliás acho que até vir para a Alemanha, se me perguntassem o que era um aspargo devia torcer o sobreolho e ficar alguns minutos a pensar até admitir que não tinha ideia. Se é como eu era, e ainda está a pensar o que é um aspargo, então possivelmente não está a par do pior efeito secundário da ingestão de aspargos – o odor urinário. Basta esperar meia-hora, três quartos de hora, depois de os comer. Experimente ir então fazer um xixizinho e diga lá qualquer coisa à gente. Sim, eu também evito urinóis públicos, em particular nos restaurantes alemães, durante a época do aspargo. O porquê deste intenso fenómeno fisiológico ainda é um mistério e a página do Wikipedia não ajuda (nem a minha pesquisa foi muito além disso). Como se isto não bastasse há ainda a sua forma (demasiado óbvia para ser explícito), que faz com que comer aspargos seja quase uma experiência obscena…
Já os morangos é outra conversa. Os morangos não têm efeitos secundários nocivos. Os morangos tardam a chegar, mas quando os morangos chegam, deixam um perfume doce pelo ar. Em redor da nossa cidade os campos enchem-se (para além dos aspargos) de grandes e doces morangos vermelhos. E lá vamos nós com as crianças e seus baldinhos de praia, colhê-los em dias de sol. Sim, podem-se colher à vontade e depois pagar pelos quilos apanhados. Em alguns campos basta deixar o dinheiro numa caixinha, tal é a confiança na honestidade dos patrícios (tópico para outra crónica!). Ou então vai-se de manhãzinha buscar pão fresco para o pequeno-almoço e traz-se uma caixinha de morangos também. O seu sabor obsceno sempre aguça o desejo para mais uns quantos. Morangos com natas ou ao natural. Batido de morango. Compota de morango (com ruibarbo – outro vegetal da época praticamente desconhecido dos Portugueses mas delicioso em bolos e doces). Tarte de morango… Enfim…
Não, não, não estou a ser parcial! Eu até acho que aspargos e morangos são ambos nobres… e igualmente respeitáveis… produtos da natureza, e que ambos têm sobretudo em comum o facto de os nomes acabarem em ‘gos’ – pelo menos em Português. Fora isso, prefiro os morangos!
PS. Durante a escrita desta crónica não se maltrataram quaisquer aspargos (o mesmo não posso dizer dos morangos)
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: 2 (Acabei de voltar de férias)
Nas notícias por aqui: A criança de Aleppo, o rescaldo das Olimpíadas e a relação Erdogan-Putin
Sabia que por cá… Existem leis que definem os padrões de pureza da Cerveja (fonte)
Um número surpreendente: 1.091.894 (número de requerentes de asilo na Alemanha em 2015, fonte Bundeszentrale für politische Bildung)