Quando era jovem, Luís Montenegro foi nadador-salvador nas praias de Espinho. Terá então aprendido que, segundo o algoritmo de salvamento de um banhista em apuros, há três fases essenciais a acautelar: reconhecimento, planeamento e ação.
Há experiências que valem para a vida. Na operação de salvamento de um partido, é mais ou menos a mesma coisa. Em primeiro lugar, há que cumprir o reconhecimento da situação naufragante do PSD depois dos quatro anos de rioísmo: quando Luís Montenegro chegou, cumprem-se agora seis meses, pegou num partido que não conseguiu mobilizar o voto útil e deu uma maioria absoluta a António Costa, apesar do desgaste de seis anos de governação socialista. Um partido consumido por forças distintas que o puxavam para baixo: 1. As culpas próprias de uma oposição mal feita, colaborante e errática, que não se impôs como alternativa; 2. Um posicionamento ideológico pouco claro, um problema que vem de origem, mas que aumentou com a recusa de Rui Rio de assumir o espaço da direita; 3. O crescimento precisamente de partidos à sua direita – no espaço liberal e no extremo populista – que se alimentam também do seu eleitorado, e que juntos conquistaram mais de 650 mil votos e 20 deputados.
Como político experimentado e inteligente que é, Luís Montenegro não terá feito diagnóstico muito distinto. Feito o reconhecimento, foi preciso passar para o planeamento. E, desde o início, Montenegro mostrou ao que vinha: como novo líder, assumiria a postura de oposição exigente, não dando tréguas às escorregadelas, aos erros e às opções pouco claras de António Costa. Depois da oposição colaborante de Rio, apostou-se a fazer, ao seu estilo, uma oposição confrontacional. Faz sentido e tem cumprido: percorre o País em ações no terreno de norte a sul, com uma agenda preenchidíssima, e fala sempre sobre todos os temas na agenda, criticando e apontando as falhas.
Para lá do estilo, é preciso olhar o conteúdo. E aqui é que os planos, sendo muito melhores do que os do seu antecessor, apesar de tudo deixam a desejar – e começam os problemas. Não se percebeu (nem se percebe) bem o que quer, tão-pouco o que não quer. O PSD, que já foi visto como “o partido mais português de Portugal”, perdeu, além de quadros de referência, dinâmica e representatividade social, posicionamento ideológico, ambição. Pior: perdeu, sobretudo, a capacidade de trazer ideias para o País. E, seis meses volvidos, não é claro o que quer este PSD, que soluções tem para resolver os desafios estratégicos nacionais, qual o caminho que protagoniza como alternativa.
Falhado este planeamento, a ação – a terceira e decisiva fase do salvamento – fica comprometida. A escassez de ideias, e sobretudo de propostas alternativas, ficou clara em dois momentos relevantes deste meio ano: no plano de apoio às famílias e empresas para fazer face à inflação e no Orçamento do Estado para 2023. Que soluções distintivas e consistentes apresentou o PSD nos dois momentos? Nenhuma que tenha ficado na memória coletiva. Há quem pense que não é a altura certa para se chegar à frente com propostas – sem eleições à porta. É um erro. Depois dos apuros em que se colocou, não há oportunidades a desperdiçar para reforçar a sua imagem.
Noutros temas, tem feito opções questionáveis e mesmo criticáveis. Ainda nesta semana, anunciou uma proposta de referendo à eutanásia. Depois de cinco anos a discutir o assunto no Parlamento, voltar agora, alinhando com o Chega, a pedir um referendo neste tema tão sensível e que é da ordem dos direitos fundamentais não faz sentido nenhum e vai contra a melhor doutrina jurídica. Recorde-se que o PSD já tentou referendar a adoção por casais do mesmo sexo, proposta que o Tribunal Constitucional chumbou em 2014. No tema das pensões, o populismo também falou mais alto. O cartaz em que prometeu que não fará cortes nas pensões é mesmo irresponsável, pura demagogia que não fica bem a um partido com o histórico do PSD. No tema da revisão constitucional, alinhou na proposta do Chega, depois de o próprio Montenegro a ter recusado quando candidato a líder.
O que nos leva ao ponto mais complexo onde a ação tem falhado, por inabilidade ou falta de planeamento estratégico, que é na demarcação clara da direita radical do Chega – um erro fatal de Rui Rio que ajudou claramente o PS a captar o voto flutuante ao centro e a conseguir a maioria absoluta. Desde o discurso inaugural de consagração de Montenegro que a ambiguidade está no ar: demarcou-se de “políticas xenófobas e racistas” e não dos partidos. Que é como quem diz, está tudo em aberto quanto a possíveis acordos futuros. Joga, é claro, na antecipação, porque percebe que sem o Chega não vai conseguir formar uma alternativa de governo à direita – e conseguir o salvamento do PSD a que se propôs. Aqui está uma profecia que se autoalimenta: a continuar assim, de facto, nunca lá chegará.
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