Mesmo quem se recusa a ceder ao pessimismo dificilmente não fica preocupado com os sinais preocupantes que o mundo nos vai dando agora, todos os dias. E o desânimo pode até aumentar quando se percebe que as soluções a que nos habituámos, durante anos, perderam a eficácia do passado e que, ainda por cima, os sintomas de crise são globais e transversais a todos os países.
Da maneira como o mundo está, nenhum país consegue resolver sozinho, por exemplo, o problema da subida da inflação, apesar de o aumento do custo de vida não se refletir de igual maneira em todos eles. O que sabemos, isso sim, é que a inflação continua a subir, a causar estragos e a acender, uns atrás dos outros, os rastilhos da revolta social. Conseguimos identificar a sua origem na disrupção das cadeias de abastecimento, provocada pela pandemia e pela invasão russa da Ucrânia, em paralelo com o aumento da procura, mas um pouco por todo o lado começa a perceber-se que não há forma de resolver isto com medidas avulso ou com os remédios do costume.
Talvez por isso, em quase todos os países, o debate político ganha um novo impulso para a radicalização, centrando-se a discussão não nas causas do problema, mas nas medidas paliativas, que possam fazer reduzir o sofrimento de famílias e empresas.
Este combate – por enquanto, ainda inócuo – à inflação é apenas mais um sintoma de algo mais vasto e preocupante: a prova de que, após décadas de uma certa calmaria económica e de equilíbrios geoestratégicos mais ou menos aceitáveis por todos, a esmagadora maioria dos governos do mundo não estava preparada para os piores cenários – mesmo quando eles estavam já identificados e previstos nos relatórios encomendados aos especialistas, tantas vezes financiados por dinheiros públicos. Esta inflação, é preciso ter memória, começou por ser encarada como “passageira” – incluindo pelos líderes do Banco Central Europeu.
Agora, já se tornou consensual que ela veio para ficar. O problema é que vem também acompanhada de outras nuvens negras, daquelas que podem ter um efeito arrasador na economia europeia e mundial: a possibilidade de recessão na Alemanha e até nos Estados Unidos da América.
Aquilo a que se assiste na economia é à mesma atitude que se observou em relação aos riscos de uma pandemia global e que se sente, de forma cada vez mais dramática, quando se trata de enfrentar o aquecimento global. Todos estávamos avisados de que, por esta altura, as ondas de calor iam ser mais intensas, longas e frequentes. Mas, como as últimas semanas demonstraram, ainda conseguimos ter o descaramento de nos mostrarmos surpreendidos quando os incêndios arrasaram florestas na Península Ibérica, no Sul da Europa ou na Califórnia. E, em breve, também vamos mostrar, se calhar, a estupefação por alguns eventos climáticos extremos que têm toda a probabilidade de assolar a Europa, no momento em que o gelo na Gronelândia está a derreter a um ritmo assustador e a água do mar Mediterrâneo ultrapassa os 30 graus Celsius.
O cúmulo da imprudência e da cegueira face aos sinais é, no entanto, a surpresa de meia Europa ao perceber que Putin pode desligar o fornecimento de gás natural à Alemanha e a outros países vizinhos. Exatamente os mesmos países que, durante os últimos anos, entregaram essa arma ao senhor do Kremlin sem se preocuparem com as consequências da dependência que estavam a criar – e que, ao mesmo tempo, quiseram impor as suas regras a outros países, como se fossem donos e senhores da razão absoluta.
A história desta cegueira obstinada terá de ser contada num futuro próximo. Para já, é mais importante concentrarmo-nos no aviso que esta situação implica. E esforçarmo-nos por assimilar que as regras do mundo que conhecíamos estão a desmoronar-se umas a seguir às outras. Precisamos de ter consciência de que o mundo entrou numa era para o qual não existiam planos previamente definidos. Com uma agravante: faltam cada vez mais líderes capazes de enfrentar o presente, mas também de apontar o futuro. Líderes que não se limitem apenas a governar, mas que sejam capazes também de inspirar – o único antídoto possível para as tentações populistas que costumam aparecer nestes momentos.
Há muitos anos, o filósofo grego Epíteto deixou uma frase que merece ser recordada nestes dias: “Não podemos escolher as circunstâncias externas, mas podemos sempre escolher como vamos responder a elas.” É disso que se trata agora, tanto para os líderes políticos como para cada um, individualmente. Um primeiro passo será sempre o de nos prepararmos para o pior cenário. Sem perder a esperança no melhor.