Imagine um caminho em que os ânimos vão em crescendo, passando pela descoberta, o entusiasmo, a ganância, a loucura, a fé, e se toca o pico, quando se começa a cair abruptamente em negação, recusa, capitulação… até ao desespero. Nos mercados financeiros, é mais ou menos isto que acontece nas bolhas. São conhecidas as quatro fases: a discrição – quando só alguns poucos conhecedores começam a avançar com a ideia; a consciencialização – quando começam os investidores institucionais a chegar; a euforia – quando os média acordam e vem em rebanho massivamente o público em geral; e a explosão – quando a bolha rebenta e as cotações vão ao charco.
Apesar de tudo isto estar nos livros e de já ter acontecido muitas vezes ao longo da História – desde a famosa tulipomania, no século XVII, à Companhia dos Mares do Sul inglesa no século XVIII, passando pela euforia acionista de 1929, a febre das dot.com no final dos anos 90 e a crise dos créditos hipotecários ou subprime em 2008 –, repetem-se sucessivamente os mesmos erros com os mesmos argumentos. Uma combinação explosiva de ambição, pensamento de curto prazo, FOMO (“fear of missing out” ou medo de ficar de fora), efeito de manada, desconhecimento e dissonância cognitiva alimenta uma espiral de irracionalidade imparável, até que um qualquer fator – uma pequena faísca na engrenagem – faz rebentar com tudo.
Por estes dias, assiste-se a algo assim no excêntrico e antes fulgurante setor das criptomoedas, um novo tipo de dinheiro digital descentralizado assente numa tecnologia de criptografia que atraiu muitos investidores. A Bitcoin, a maior referência neste mercado virtual que chegou a ter 18 mil tokens ou ativos diferentes, caiu no fim de semana abaixo da linha psicológica dos 20 mil dólares, pela primeira vez desde dezembro de 2020, e chegou mesmo a tocar pouco acima dos 17 800 dólares.
Desde o máximo histórico alcançado em novembro passado nos quase 70 mil dólares, vai uma queda de 70%. Os especialistas acreditam que o seu futuro é “altamente incerto” e que pode mesmo vir a chegar aos 8 000 dólares. A Ether, outra criptomoeda importante, já recuou quatro quintos do seu valor desde o pico. Já a Terra e a Luna, criptos mais arriscadas, entraram em colapso, e as plataformas de empréstimo viram-se obrigadas a travar a corrida de liquidez e a impedir os depositantes de retirar os seus ativos, enquanto o hedge fund de tokens Three Arrows não conseguiu atender às chamadas.
Com a subida das taxas de juro determinada pelo esforço global de controlo da inflação, não restam muitas dúvidas: o inverno chegou às criptomoedas. E a cada vez maior trupe dos “Criptos”, sempre tão ativa e arrogante nas redes sociais com as suas fotografias de olhos laser, que simbolizavam a crença neste maravilhoso mundo novo do dinheiro fácil, está desorientada. É difícil aceitar passar de bestial a besta, ou de bullish a bullshit.
Como jornalista, já vi isto acontecer antes. Trabalhei durante dez anos na área da economia, sete dos quais como editora de mercados num jornal especializado. E acompanhei, neste período, de muito perto o desvario das dot.coms, a formação da bolha e o brutal esvaziamento que se seguiu. Às questões de quem se intrigava com tamanha irracionalidade, os analistas que alimentavam a bolha justificavam subidas vertiginosas de empresas que eram pouco mais do que um logótipo e um etéreo plano de negócios como um “novo paradigma”. Diziam que os fundamentos tradicionais de avaliação já não se aplicavam depois da disrupção tecnológica em curso. Pouco tempo depois, milhares de “techs” esfumavam-se pelos ares. Durante mais de 100 semanas consecutivas, havia alguém a garantir que já se tinha chegado ao fundo. Só que não. O fundo estava cada vez mais longe, acumulando perdas cada vez maiores. Foi um longo e doloroso banho de sangue.
Milhões de pequenos investidores perderam muito. São eles os “tolos”, os incautos que segundo a teoria do “greater fool” se vão deixando enrolar numa espiral de subida que não tem nenhuma representação em valor real. E são eles, normalmente sem estratégias de “stop loss” para travagem de danos ou “short selling” para fazer compra a descoberto, os últimos tolos que veem a batata quente rebentar-lhes nas mãos. Nas criptomoedas isto tudo acontece num mercado sem regulação, onde ficam à mercê de todo o tipo de esquemas.
Não tenho dúvidas de que as criptomoedas, os NFTs e a tecnologia blockchain não vão desaparecer. São ideias com valor, tal como tinham valor algumas das poucas dot.coms que resistiram. Mas é bastante provável que a euforia desmedida das criptos tenha chegado ao fim. Os tempos passam, as tecnologias mudam, mas confirma-se a regra: os mercados – todos eles e uns mais do que os outros –, reservam sempre muitas banhadas para quem vem cheio de ganância e não está preparado para andar à chuva.