Vamos só mais uma vez começar pelo princípio, porque ainda é preciso repetir, repetir, repetir: a mudança climática é real, está a acontecer à frente dos nossos olhos e as atividades humanas – liberação de gases poluentes da queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás) – são a sua principal causa. Quem diz o contrário só pode ter uma de duas razões: 1. É desatento ou tolo e não leu suficientes artigos e relatórios, ou 2. Quer, de alguma forma, tirar partido económico, político ou social desta realidade dolorosa.
O mundo está, no entanto, apinhado de negacionistas das alterações climáticas. Os mais sofisticados obedecem ao clássico quadro de pensamento dos teóricos da conspiração que vem desde o século XVIII. Começam a pegar na história pelo fim, numa análise cui bono?, procurando identificar para quem há vantagem na história, identificam culpados imaginários e montam uma narrativa alternativa simplista e apelativa de explicação para o facto comummente aceite, muitas vezes com esforço de aparente cientificidade. (Para perceber melhor o fenómeno, com tanto de obtuso como de fascinante, recomendo o livro A Natureza das Teorias da Conspiração, de Michael Butter, que prefaciei.)
E, no entanto, a ciência sobre mudança climática está bem consolidada. Aliás, desde pelo menos o início da década de 80 que estão estudadas e documentadas as alterações climáticas do planeta, as suas causas e consequências. É sabido que mais de metade do carbono acumulado na atmosfera, e que é responsável pelo aquecimento global, foi emitido durante as nossas vidas, nas últimas três décadas. E, nos últimos anos, tem sido bem evidente a dimensão da catástrofe que temos pela frente, plasmada num vasto número de estudos e relatórios irrefutáveis.
A esmagadora maioria dos cientistas concorda que para minorar os efeitos desta situação – que, sim, é de emergência e é alarmante, a palavra não é uma agenda – é preciso agir o quanto antes. Temos muito pouco tempo para tomar as decisões que impeçam que a temperatura global ultrapasse a linha vermelha dos 2ºC de aumento face ao período pré-industrial. Isto são factos, não é matéria de opinião nem de discussão.
Para se trilhar este caminho, é preciso, por um lado, identificar e reconhecer a dimensão do problema, e por outro, apontar os caminhos. Não basta dizer que vem aí o diabo e que está tudo perdido. É necessário mudar mentalidades, descobrir soluções e reconhecer o trabalho bem feito, identificando as ideias, as ações e as iniciativas promissoras que fazem a diferença. Foi isso que a VISÃO procurou fazer com os Prémios Verdes, cujos laureados foram conhecidos esta semana, em que distinguiu 25 pessoas, investigações e projetos extraordinários na área do ambiente.
Mas para avançarmos coletivamente é urgente o consenso político. Um estudo recente da OCDE mostrou como a chegada de grupos e lideranças políticas populistas e de extrema-direita ao poder, hostis a políticas climáticas e de baixo carbono, tem um impacto negativo direto nos esforços dos países para conter a mudança do clima. Perante este cenário, é para mim um mistério como alguma classe política, da esquerda à direita, e não apenas em Portugal, mas no mundo, ainda não percebeu bem que este tema tem de ser central na sua agenda e no seu conteúdo programático. Não na perspetiva proibicionista do século passado, mas futurista e até oportunista. O caminho vai mesmo ter de se fazer verde e sustentável, e há muito negócio, oportunidades e carreiras que já se estão a abrir. Na cerimónia de entrega dos Prémios Verdes, ouviu-se o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, dizer que “o primado deixou de ser o não: o ambiente passou a ser um motor do desenvolvimento, impondo aos setores políticas de sustentabilidade. Hoje, ambiente e sustentabilidade ocupam uma posição frontal do projeto de futuro”. E Carlos Moedas, presidente social-democrata da Câmara Municipal de Lisboa e um homem que desde os tempos de comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação domina estes temas, recordou que “há seis milhões de europeus a trabalhar nas indústrias verdes e só dois milhões na indústria automóvel. Defender o emprego e os trabalhadores é defender estas indústrias verdes”. “Este trabalho não é de diferenças políticas – é de todos e para os nossos filhos”, sublinhou Moedas. Não podia estar mais de acordo. Se há tema em que esquerda e direita têm mesmo de se entender e de fazer pontes ao centro é este. Não percamos tempo.