Nos últimos dias, temos assistido a emocionantes manifestações de solidariedade com o povo ucraniano. Falo dos esforços de gente comum com o coração no sítio certo. Basta-me olhar à volta. Um casal de amigos com três filhos viu um apelo numa rede social, trocou mensagens e ao fim de uns dias tinha uma família de refugiados ucranianos com dois filhos a bater-lhe à porta, em Sintra. Ofereceram-lhes uma sala que transformaram em camarata, sentaram-nos à sua mesa, deram-lhes colo, segurança e esperança. Um familiar acolheu na sua quinta outra família de três, e ofereceu-se para pagar as despesas de trazer familiares de amigos para Portugal. Centenas de pessoas que conheço mobilizaram-se para ir buscar pessoas à fronteira ou para angariar dinheiro, roupa e comida para entregar a quem teve de deixar tudo para trás. Portugal, com um histórico de acolhimento solidário noutros conflitos, já terá recebido mais de 5 000 refugiados da guerra na Ucrânia, e em breve, a comunidade em Portugal poderá ultrapassar os 60 mil. Empregadores já disponibilizaram mais de 18 mil ofertas de emprego.
A resposta nas fronteiras da Ucrânia tem sido igualmente impressionante. Na Polónia, governada por um partido conservador em braço de ferro com o Estado de direito da UE, milhares de voluntários recebem quem chega com muito mais do que eficiência – fazem-no com brio e genuíno amor ao próximo. Um inquérito recente mostrou que 90% dos polacos apoiam o acolhimento de refugiados e 65% estavam disponíveis para ajudar pessoalmente. A Hungria, o mesmo país que no ano passado dizia que os refugiados do Médio Oriente podem trazer “terrorismo” e destruir a identidade europeia, está hoje de braços abertos para os ucranianos. Sentem-se assustadoramente identificados com eles. Esta é a grande diferença: tudo muda quando percebemos que aquelas pessoas poderiam ser nós.
Até agora, a Europa esteve bem na resposta de emergência a esta catástrofe humanitária, que poderá ser a maior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial, ainda maior do que a vivida durante a guerra dos Balcãs. Já fugiram do país mais de três milhões de pessoas, a ACNUR diz que este número pode chegar aos dez milhões. Estudos anteriores no continente indicavam que os refugiados são 12% menos propensos a conseguir um emprego e 22% mais propensos a estarem desempregados do que outros migrantes com características semelhantes. Desta vez, com os ucranianos, a situação pode ser melhor. Desde logo, porque a União Europeia ofereceu aos refugiados ucranianos “proteção temporária”, permitindo-lhes ficar por, pelo menos, um ano e ter acesso instantâneo ao mercado de trabalho e à educação, sem necessidade de processos complexos ou aprovações especiais. Receber de imediato acesso a emprego e escolas faz toda a diferença na vida destas pessoas, que são sobretudo mulheres e crianças com as vidas suspensas, que se mudam por tempo indeterminado – podem ser meses ou anos.
Os países da União Europeia têm agora o dever de atender, acomodar e integrar estas pessoas e encontrar-lhes soluções efetivas e dignas. Mas para isso é necessário fazer mais do que contar apenas com a boa vontade das comunidades civis e gerir expectativas: há que aprovar medidas efetivas de apoio para garantir acesso a habitação, trabalho, educação, saúde. Quando passar a emoção, as pessoas criarem uma carapaça de indiferença e a guerra entrar na triste rotina mediática, a solidariedade pode desvanecer-se. E corremos o risco de esta vaga de imigração começar a gerar críticas, que serão aproveitadas pelos populistas do costume. Já começámos a ler e a ouvir à boca pequena que “há muita gente que precisa de ajuda por cá”, “já não há vagas nas escolas para nós” ou que com “os sem-abrigo e pobres ninguém se preocupa”. Daqui a uns meses, é provável que este discurso entre também no combate político, não só por cá, mas sobretudo nos países onde o acolhimento de refugiados for em número ainda mais significativo.
O tempo urge, em todos os sentidos. Até porque os efeitos nas economias europeias desta guerra vão fazer-se sentir com mais força do que pode ter sido inicialmente antecipado. A inflação vai subir, os preços das energias vão manter-se altos durante meses, existirão crises de abastecimento, a recuperação económica abrandará significativamente. As populações europeias já estão a sentir, e sentirão mais, os efeitos desta guerra nas suas vidas e nos seus bolsos. Não há guerras e sanções à Rússia sem dor para o Ocidente.
Com a pandemia da Covid-19, a Europa aprendeu como se responde a uma crise de contornos excecionais. Percebeu que há momentos em que é preciso responder com determinação perante os desafios e necessidades extraordinárias, chegar-se à frente, aliviar restrições orçamentais, injetar recursos nas economias e responder em bloco com verdadeira coesão e solidariedade europeia. É quase certo que terá de fazer o mesmo agora. Precisamos de um Plano de Recuperação e Resiliência para a guerra.