Apesar das condenações públicas e das sanções económicas à Rússia e aos seus oligarcas, há algo que não muda: todos os dias, a Europa continua a comprar combustível a Moscovo e, dessa forma, a financiar o esforço de guerra de Vladimir Putin. As contas feitas pela Bloomberg e pela Bruegel são aterradoras: no início do ano, quando a invasão da Ucrânia ainda não passava de uma ameaça remota, a Rússia recebia da Europa, por dia, 190 milhões de euros pelo fornecimento de gás e 330 milhões de euros pela venda de petróleo. A 3 de março, quando se entrou na segunda semana da invasão e os preços dos combustíveis e das matérias-primas já tinham disparado em todo o mundo, a Europa já pagava (por dia, assinale-se!) 700 milhões de euros apenas pelo fornecimento de gás, enquanto a conta do petróleo, onde foi mais fácil e rápido cancelar encomendas, descia para os 200 milhões de euros. Os números continuam a ser impressionantes e podem ser resumidos assim: em cada dia de guerra, para manter as suas fábricas a funcionar e as suas casas aquecidas, a Europa paga 900 milhões de euros à Rússia – mais ou menos o dobro dos 450 milhões de euros que destinou à compra de armamento para a Ucrânia se poder defender da invasão. Ou seja, o custo do gesto “corajoso” e “sem precedentes” na história da UE representa apenas metade do preço que é pago, todos os dias, pelo gás e o petróleo russos.
Já vem de longe a dependência energética da Europa face à Rússia. Como foram também muitos os alertas para o risco dessa dependência, que acabaram por não ser escutados. Desde 2006, pelo menos, quando a Rússia cortou abruptamente o fornecimento de gás à Ucrânia – impedindo que a energia circulasse também pelos seus gasodutos para outros países europeus – que se multiplicaram as vozes a pedir que a Europa diversificasse as suas fontes de energia, e alertando para o historial de chantagem de Moscovo, nesse domínio. A verdade é que esse foi também o ano em que Angela Merkel e Vladimir Putin concluíram o acordo para a construção do gasoduto Nord Stream que, contornando os estados bálticos e a Polónia, permitia levar o gás diretamente da Rússia até à Alemanha, e em grandes quantidades. Desde então, nunca mais parou de subir a dependência europeia da energia russa – bem como a dependência da economia russa desse negócio. Mais: apesar das sanções impostas em 2014, após a anexação da Crimeia, o negócio do gás russo ainda se intensificou mais em muitos países europeus.
Ao que tudo indica, com maior ou menor resistência, a Europa prepara-se, e bem, para fazer um corte drástico e reduzir em 80% a sua dependência da energia vinda da Rússia. Para poder alcançar esse objetivo, vai ser necessário diversificar a origem dos fornecedores de gás, uma maior aposta nas energias renováveis e uma diminuição do consumo. É esta a única opção possível para ser adotada depressa em tempo de guerra e, ainda por cima, no momento em que se começa a desenhar uma nova ordem mundial, sob os escombros da que começou a ser destruída na madrugada de 24 de fevereiro.
Há, no entanto, uma “verdade desconfortável” acerca da guerra – para usar a expressão da historiadora Margaret MacMillan – que merece ser recordada neste tempo: ela tanto é um motor de destruição como de criação. Muitos progressos na ciência e na tecnologia, como os motores a jato, os radares, os computadores e até a internet, só surgiram por necessidade de guerra, como forma de garantir uma vantagem substancial sobre o oponente.
Agora, neste esforço de guerra, a Europa precisa de garantir a independência energética para preservar a sua liberdade. E não lhe basta mudar o fornecedor do gás ou do petróleo, até porque a escolha é limitada: muitos são países tão autocráticos como a Rússia e nem todos partilham os mesmos objetivos estratégicos. A resposta tem de passar, isso sim, por aquilo que lhe permita não ficar dependente de ninguém, no futuro: um investimento total nas energias alternativas com uma dimensão de esforços e uma rapidez só possível em tempo de guerra – ao estilo do Manhattan Project, da II Guerra Mundial, agora com fins pacíficos, mas que pode ter o mesmo efeito dissuasor, já que reduz a potencial vantagem do adversário.
Se, para conquistarmos a nossa independência de energia face à Rússia vamos ser obrigados a mudar a economia e o consumo, então que o façamos já de modo a acelerar as nossas metas de descarbonização, livres de fornecedores de combustíveis fósseis. Sem perder mais tempo e muito mais bem preparados para as guerras do futuro.