Entre os assuntos não urgentes mas que se tornaram relevantes por força do modelo de debates de 25 minutos – transformados em batalha de soundbites para animar as audiências das televisões –, dois temas ganharam uma notoriedade que, à partida, pareceria impossível numa eleição em que se procura encontrar uma solução estável de governo para os próximos anos: a prisão perpétua e o rendimento básico universal.
Os dois temas, apresentados e defendidos, cada um, por partidos com apenas um deputado na última legislatura e de campos políticos absolutamente opostos, foram depressa catalogados como “perigosos” ou “surrealistas” e colocados, até, na mesma gaveta dos assuntos “folclóricos” que apenas servem para animar uma campanha eleitoral. É errado, no entanto, pôr os dois no mesmo saco, em especial porque representam visões totalmente diferentes sobre o que deve ser a vida em sociedade e sobre a busca de melhores caminhos para se garantir um futuro melhor a quem nela vive.
As diferenças entre as duas propostas são abissais: a prisão perpétua representa um retrocesso civilizacional; o rendimento básico universal é uma utopia em busca de poder ser concretizada. Uma propõe o regresso ao passado; a outra é um sinal de esperança para o futuro. Uma quer resolver problemas pontuais, através de um castigo exemplar; a outra propõe uma solução coletiva para um problema global.
O regresso da prisão perpétua seria sempre um retrocesso civilizacional para um País que a aboliu no já distante ano de 1884 e onde, para sermos claros, não existe um problema sério de criminalidade violenta, quando comparado com o resto da Europa. Mesmo assim, esgrime-se, com frequência, o argumento de que a prisão perpétua continua a existir na maior parte dos países e, por isso, é uma solução aceitável. A verdade é que, como vários estudos o indicam, o número de pessoas em prisão perpétua aumentou devido à diminuição da aplicação da pena de morte (abolida, desde 1976, em mais de 70 países) – outra matéria em que Portugal também foi pioneiro: em 1852, para os crimes políticos, e em 1876, para os crimes comuns. Além disso, muitos estudos demonstram que o endurecimento das penas não tem contribuído para a diminuição dos crimes graves.
Já a discussão em redor do rendimento básico universal revelou, pela estranheza e reações que provocou, o quanto o debate político em Portugal tem estado afastado de um assunto que, um pouco por todo o mundo, começa a ser encarado com seriedade e, no mínimo, com a curiosidade suficiente para o testar. Nas primárias democratas para as presidenciais norte-americanas, o tema já foi a principal bandeira do candidato Andrew Yang – que prometia dar mil dólares por mês a todos os norte-americanos –, embora com fraco resultado nas urnas. Agora, na Coreia do Sul, o assunto está no topo da campanha eleitoral para as presidenciais convocadas para 9 de março: se o vencedor for Lee Jae-myung, o candidato do Partido Democrata atualmente no poder, o país pode até tornar-se a primeira grande economia do mundo a adotar uma versão do rendimento básico universal.
Na 12ª maior economia do mundo (e quarta maior da Ásia), a proposta de Lee Jae-myung – que pretende instituir a medida já em 2024 – fez relançar o debate sobre a grande desigualdade existente num país em que uma franja cada vez maior dos seus 51 milhões de habitantes vive à margem e sem possibilidade de ascensão social, conforme o cinema e a televisão do país, com significativo êxito, têm mostrado ao mundo, em Squid Game e Parasitas. Pode ser o rendimento básico universal a solução para a desigualdade? Ninguém sabe, com exatidão, a resposta, mas parece ser evidente a necessidade de se procurar formas novas de se combater um dos flagelos mais preocupantes do nosso tempo, além das soluções do costume. É para isso que também servem as utopias: promover a discussão aberta, sem prisões perpétuas do pensamento único.