Perante o dilema de deixar morrer a TAP ou arriscar salvá-la, o Governo tomou a decisão correta, mesmo sabendo que o setor da aviação está mergulhado na sua maior crise de sempre, e que a companhia aérea nacional tem problemas crónicos e antigos, que, em alguns casos, foram ainda mais agravados com a pandemia e a obrigatoriedade de estacionar, durante meses, a esmagadora maioria dos seus aviões. Salvar a TAP tem um custo elevado, imediato mais ou menos quantificado: os tão falados 1 200 milhões de euros que a Comissão Europeia autorizou o Estado a injetar na companhia para resolver “necessidades imediatas” da empresa. A grande questão é que ninguém parece acreditar que essa “injeção”, apesar do valor aparentemente estratosférico para a realidade do País, consiga salvar mesmo a TAP. Como também ninguém garante que, no futuro, não seja preciso aplicar um “tratamento” semelhante, seguindo a mesma “receita” triste e continuamente utilizada na banca.
A verdade, no entanto, é que se o preço de salvar a TAP pode ser quantificado, com maior ou menor margem de erro, já o custo de a deixar morrer seria, neste momento, impossível de prever com um mínimo de seriedade ou de rigor. O impacto de deixar falir a TAP não pode ser procurado apenas nos relatórios de contas da empresa ou na contabilidade do seu universo de cerca de dez mil funcionários. Não restam dúvidas de que se a TAP morresse, muitas outras empresas morreriam com ela porque têm muita da sua atividade completamente ancorada na operação aérea. O desaparecimento da TAP provocaria um efeito dominó em muitos dos fornecedores dos seus serviços, em tudo semelhante ao que sucederia se a Autoeuropa saísse de Portugal – as muitas indústrias localizadas na península de Setúbal que a servem ficariam sem o seu principal, por vezes único, cliente e, portanto, sem hipótese de sobrevivência. Tentar imaginar este cenário, ainda por cima no meio de uma crise mundial sem precedentes, é um exercício próximo do Apocalipse e que, além dos efeitos económicos imediatos, iria também significar mais um rude golpe na autoestima do País. Seria mais uma prova de que, neste século, Portugal tem sido uma máquina trituradora de grandes empresas – que ou desaparecem ou são vendidas a estrangeiros.
Salvar a TAP foi uma decisão politicamente corajosa, mas fácil, nestas condições. A parte difícil é a que vem a seguir: fazer da TAP uma companhia que orgulhe os portugueses não pelo seu passado mas pela forma como aproveitou esta crise para preparar o futuro. Tem de ser essa a ambição, ou então este esforço não valerá a pena.
Será uma tarefa gigantesca e muito exigente. Com custos elevados para os trabalhadores, à semelhança do que está a ser anunciado por todas as companhias de aviação: 22 mil despedimentos na Lufthansa, 12 mil na British Arways, 7 500 na Air France, 5 mil na SAS,
4 500 na easyJet, 3 mil na Ryanair… numa lista que parece nunca mais terminar.
Será também uma tarefa que, paradoxalmente, não pode estar apenas centrada na viabilidade económica. Nestes tempos, a ambição também tem de passar por fazer da TAP uma companhia de aviação mais sustentável, de forma a ajudar a alcançar o objetivo da neutralidade carbónica em 2050, definido pela União Europeia. Não é lirismo: é também aí que se vai jogar a concorrência do futuro, pelo mercado dos céus, e não se pode perder tempo. Tanto a França como a Holanda impuseram várias metas ambientais nos seus pacotes de resgate à Air France (7 500 milhões de euros) e à KLM (3 500 milhões de euros), que ficaram obrigadas a reduzir as suas emissões de CO2 por passageiro-quilómetro até 2030, em comparação com os níveis de 2005. As suas rotas de curta distância também terão de ser cortadas, para privilegiar o transporte de passageiros por comboio, meio de transporte mais ecológico. O novo desafio gigante da TAP vai ter de passar também por aí, entre o céu e o inferno.