A medida marcou o arranque do ano eleitoral e a primeira tentativa de estabelecer paz social: o Governo autorizou a contratação de 850 profissionais, para satisfazer necessidades permanentes do Serviço Nacional de Saúde. O comunicado, enviado no sábado para as redações pelo gabinete da ministra da Saúde, fala em necessidade de resposta no “período de inverno e ao surgimento de síndromas gripais e respiratórios”, mas a verdade é que esta é a primeira cedência às reivindicações dos enfermeiros, depois de estarem reunidos no dia anterior com o Governo e terem saído satisfeitos com “a posição de aproximação”, desconvocando uma parte das greves agendadas.
Não tenhamos dúvidas: a Saúde é o setor que mais dores de cabeça dará a António Costa em 2019. Nada de novo, sempre foi um osso duro de roer, porque aqui os braços de ferro têm efeitos colaterais graves: a saúde dos cidadãos, o seu bem mais precioso. Este é também o típico setor onde vinga a velha máxima “em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”.
A luta dos enfermeiros é, sublinhe-se, mais do que legítima. São preocupantes os efeitos das cirurgias adiadas com a “greve cirúrgica”, mas convém não esquecer as condições em que estes elementos fundamentais para o Sistema Nacional de Saúde trabalham: a maior parte com 1 200 euros brutos mensais, tenham um ano de profissão ou 20, muitos em condições precárias, todos lidando diariamente no fim da linha com as ineficiências e as falhas dos serviços. É por isso que há enfermeiros a fazer turnos duplos e triplos, para conseguirem engrossar o dinheiro que trazem para casa, acumulando 16 horas por dia entre o público e o privado. Situações que deixam marcas, com casos às pazadas de esgotamentos e exaustão por falta de descanso.
Nesta edição, como poderá comprovar nas páginas adiante, ouvimos 11 enfermeiros e damos rosto às reivindicações de uma classe que tem sido, quase sempre, o elo mais fraco. Falta de reconhecimento e de progressão na carreira, salários muito baixos, ausência de compensações para os enfermeiros especialistas, precariedade e diferenças de horário são as queixas mais comuns que aqui personificamos. Histórias que ajudam, além disso, a construir um retrato real do estado – preso por arames – do Serviço Nacional de Saúde.
O erro fatal foi – aquando da reposição das 35 horas semanais na Função Pública em 2016 (horário que vingava genericamente desde 2000 e foi alterado por Passos Coelho em 2013, mas foi ponto de entendimento essencial para sustentar o acordo de Governo entre a esquerda parlamentar) – a decisão ter sido tomada sem se ponderar devidamente os efeitos que seriam gravosos em serviços a rebentar pelas costuras como o da Saúde. Subavaliou-se os efeitos da medida, que foi a gota de água de um descontentamento que vem de trás e é fácil de entender.
Do lado do Governo, a inflexibilidade mostrada até agora começou a abrir brechas. Este é, note-se, o mais complexo dos equilíbrios a alcançar nos próximos tempos. A manta não estica e a folga orçamental proporcionada por um bom ciclo económico não dá para tudo, mas é preciso atender a muitas necessidades urgentes do SNS, com vários problemas crónicos e, nalguns casos, assente na boa vontade, na dedicação e no brio dos profissionais de saúde, com justas reclamações acumuladas que têm efeitos diretos nas nossas vidas. Mas impõe-se fazê-lo sem entrar em cedências loucas a pensar na reeleição e na pressão dos compagnons de route à esquerda, porque isso seria desastroso para o País.