Por mais que nos pareçam relevantes e importantes, a maior parte dos temas e assuntos, que prendem a nossa atenção no dia a dia, dificilmente consegue resistir à chamada erosão dos tempos. É fácil fazer o teste: basta tentar adivinhar quantas polémicas, “casos” e controvérsias que hoje dominam o espaço mediático e as redes sociais continuarão atuais dentro de um, dois ou cinco anos. Todos sabemos a resposta – com a mesma clareza com que já não nos lembramos daquilo que gerava ondas de indignação há menos de seis meses.
Pode parecer paradoxal, numa época em que temos informação como nunca, acesso instantâneo a quase tudo o que de importante vai ocorrendo no mundo e, não duvidemos, ferramentas necessárias para rapidamente identificar o importante face ao acessório.
Mas, embora tudo isto seja verdade, a realidade é que persistimos, na maior parte do debate público, a preferir não encarar, com frontalidade, os verdadeiros desafios que se nos apresentam e que maiores implicações poderão ter para o nosso futuro comum, como sejam as alterações climáticas, as consequências demográficas da quebra da natalidade e o futuro do trabalho. Há uma explicação para isso: nenhum destes dossiers tem uma solução fácil ou é de curto prazo. Portanto, a atitude mais comum e conveniente, no debate político, tem sido a de adiar o problema para as calendas, mascarando-o com considerações e objetivos grandiloquentes, mas irrealizáveis, já que dificilmente se consegue tirar dividendos eleitorais de curto prazo.
O problema é que começa a faltar tempo para tentar preparar, minimamente, uma resposta adequada ao que aí vem. Já se percebeu isso, da pior forma possível, com as alterações climáticas. Mas as mudanças – inevitáveis? – que se avizinham no mercado de trabalho prometem ter consequências bem mais imediatas, globais e devastadoras. Muito mais cedo do que se imaginava há um par de anos.
Não é cedência ao catastrofismo, acreditem. Todos sabemos que, desde a Revolução Industrial, qualquer salto tecnológico tem sido acompanhado por previsões apocalípticas sobre o futuro do emprego e da mão de obra. E também sabemos que nenhuma delas se concretizou: ao longo dos últimos dois séculos, a Humanidade conseguiu sempre progredir, criando mais e melhor emprego.
Por que razão agora pode ser diferente? Porque com o crescimento da automação e com a capacidade de as máquinas aprenderem e evoluírem por si próprias – a chamada Inteligência Artificial –, pela primeira vez, desde o advento do capitalismo, o trabalhador pode perder o seu papel central e vital no sistema produtivo e na economia. Resumindo, numa frase simples e cruel: o trabalhador passa a ser dispensável. Ou seja: irrelevante.
Não sabemos ainda quando e com que dimensão isso ocorrerá, embora muitos estudos indiquem que o mundo do trabalho em 2050 – dentro de uma geração! – será completamente diferente daquele que conhecemos hoje. Porém, já se percebeu que podemos estar prestes a assistir à maior destruição de empregos, a nível global, que a Humanidade já conheceu.
“Ver aquilo que temos diante do nariz requer uma luta constante”, escreveu George Orwell, há muitos anos. E a verdade é que, se virmos com atenção, esse sentimento de irrelevância já existe, há algum tempo, entre as classes trabalhadoras do mundo ocidental e que, quando se mistura com a raiva dirigida à globalização e a uma visão multicultural do mundo, tem alimentado a fogueira dos recentes movimentos populistas e isolacionistas. As mudanças tecnológicas que se avizinham são a gasolina ideal para essa fogueira. No entanto, a resposta que precisa de ser dada dificilmente poderá ser a proteção cega dos empregos atuais. Mais do que proteger os empregos, vai ser preciso proteger as pessoas – com melhor educação, cidadania e espírito criativo. Mais do que treinar pessoas para um emprego, a resposta passa por educar, simplesmente, pessoas melhores.
(Editorial da VISÃO 1332, de 13 de setembro de 2018)