Adhemar de Barros ganhou um lugar para a história da ciência política. É um personagem magnífico que dava um filme, não fora os brasileiros serem mais dados a novelas. Bigodinho maroto e estilo enérgico e empreendedor, Adhemar singrou a partir da década de 40 como o político fazedor de obra. Enquanto governador de São Paulo, o betão e o alcatrão foram as suas armas para ganhar lugar no coração dos paulistas – autoestradas e avenidas, estádios de futebol, medicamentos e hospitais foram conquistas da sua safra. A isto aliou uma estratégia de marketing muito à frente do seu tempo: uma notável proximidade com o povo, alimentada a chavões fortes e slogans certeiros que propalava pela rádio, o cinema, a imprensa e até na embrionária televisão. Um populista, dir-se-ia hoje.
Só que Adhemar tinha lá o seu pequeno senão: gostava de dar aos outros, mas tomava uma pequenina (e merecida, achava ele) parte para si. Veio a público que usava a máquina do Estado a seu bel-prazer e que metia ao bolso maquias do jogo do bicho e comissões por adjudicações de obras públicas. Nada, porém, que demovesse o seu fiel eleitorado: era corrupto, e o que importava isso se trabalhava tão bem? Preferiam ignorar tais factos, denunciados em cima das eleições de 1954 por um respeitado jornalista e intelectual, Paulo Duarte, em 17 suculentos artigos que caíram que nem uma bomba.
Os adhemaristas desdobraram-se numa estratégia pragmática: em vez de recusarem os crimes evidentes, preferiram encolher os ombros e ressaltar-lhe as outras qualidades mais importantes. Assim nasceu o famoso dobrão “Rouba, Mas Faz”, com que os seus apoiantes contra-argumentavam as imputações que viam como moralistas e desproporcionadas. Adhemar de Barros perdeu essas eleições por escassos 18 mil votos, o que até lhe deu jeito porque se exilou prudentemente quando foi condenado a uma pena de prisão. A decisão veio a ser (estranhamente) revogada pelo Tribunal de Justiça e Adhemar voltou ao Brasil, para ser eleito prefeito de São Paulo em 1957. Até Nelson Rodrigues, o famoso autor brasileiro, inspirado por uma maquia com certeza generosa da máquina de marketing dos adhemaristas, lhe fez um sambinha a pedido: Na Caixinha de Adhemar, cantava assim: “Deixa falar toda essa gente maldizente, Essa gente que não tem o que fazer, (…) Enquanto eles engordam tubarões, A caixinha defende o bem-estar de milhões.”
Fastforward para Oeiras, 2017. Mais de 34 mil pessoas residentes no concelho mais letrado do País deram 42% dos votos a Isaltino Morais, condenado em 2009 em primeira instância a sete anos de prisão e perda de mandato autárquico por fraude fiscal, abuso de poder, corrupção passiva para ato ilícito e branqueamento de capitais. Em 2010, a Relação baixou para dois anos de prisão a pena por fraude fiscal e branqueamento de capitais, anulando as penas de perda de mandato e abuso de poder (o crime de corrupção prescreveu). Mais de 30 diligências de recurso depois, acaba por ter de cumprir pena de prisão. Sai ao fim de 14 meses e recandidata-se. No pedido de liberdade condicional apresentado em 2014, “assume a prática dos factos criminosos, verbaliza o arrependimento e demonstra constrangimento pela situação”. À época, o MP deu parecer desfavorável à sua libertação antecipada, porque não ficaram “demonstradas quaisquer razões fundadas e sérias que possam fundamentar um juízo de que, futuramente, Isaltino Morais não cometerá novos crimes”. Pelos vistos, os oeirenses não concordam… ou pouco se importam. Ouvi o mesmo “Rouba, Mas Faz” dos adhemaristas, 60 anos depois, com misto de pasmo e desilusão, de amigos e conhecidos eleitores de Oeiras, onde vivo desde que nasci. A Caixinha de Isaltino? Esqueçamos isso, alegam, reconhecidos pelo acréscimo de qualidade de vida e pelas obras públicas no concelho nas mais de duas décadas em que foi presidente da Câmara. Afinal, ética na política é um luxo a que um país pobre não se pode dar ao direito, se em terra de cegos há um zarolho que errou mas “ouve o povo” e governa menos mal.