Eu nomeio, tu nomeias, ele nomeia…
A questão das escolhas dos altos quadros do Estado é mais um dos debates cíclicos na nossa vida política. Desta vez foi apimentado pela contratação de um amigo do primeiro-ministro.
Não que contratar quadros em quem se confia após anos de convivência seja uma prática que deva ser amaldiçoada. Nada disso. Há até situações em que quem lidera precisa de ter pessoas da sua confiança pessoal, que lhe dão garantias de qualidade, honestidade e fidelidade. Mas quando o sentimento é o critério de escolha, então impõe-se que quem nomeia seja muito claro e esclareça, com tranquilidade e humildade democrática, os motivos da sua opção. Se assim não for, a polémica aquece – é sabido. Foi o que aconteceu, consequência óbvia da forma como António Costa reagiu às perguntas sobre a escolha de Diogo Lacerda Machado para importantes negociações do Estado. O problema não foi o negociador; foi o processo e a relutância em o explicar.
Também o posterior desenvolvimento, com o Governo a preparar apressadas e inesperadas propostas para alterar a legislação, parece mais uma provocação do que uma solução. É uma daquelas reações ao estilo “ora tomem lá, agora é que vamos ver quem tem a mente mais sã”.
Porém, mesmo maçãs de casca apetitosa podem ter bicho. As nomeações, agora, processam-se por concurso; os currículos dos candidatos são presentes a uma comissão (quem não ouviu falar da CRESAP e de João Bilhim, seu presidente) que indica três possíveis nomes para que a tutela possa escolher. Uma das alterações pensadas, segundo o Público, é restringir a dois o número de candidatos.
Ora este nunca foi o principal problema.
Questão central tem sido a da possibilidade de os governos poderem anular os concursos, invocando, nomeadamente, “alterações de competências” do cargo. Basta, quando nenhum dos nomes escolhidos pela CRESAP agrada, modificar um pormenor da lei orgânica do departamento que tinha a vaga e lá vai todo o processo por água abaixo. Discordar do “perfil” definido também leva à estaca zero.
Outra questão polémica é a das “nomeações em regime de substituição”. De acordo com o Expresso, o ministro Vieira da Silva terá feito sete dezenas, sendo que o próprio ministério informara, no início do mês, que tinha até dia 11 de abril para o fazer. Dia 18, a comissão ainda nada recebera. Aliás, o governo socialista apenas pediu, até segunda-feira passada, a abertura de 11 concursos. Estes “regimes de substituição” podem garantir permanências de vários meses nos cargos.
É fundamental distinguir entre os cargos de nomeação política (é óbvio que se percebe que um chefe de gabinete, secretária, assessores e até mesmo um enviado especial às negociações difíceis devam ser de confiança pessoal) e os restantes. Muitas vezes, os de escolha pessoal acabam sendo nomeados para a Função Pública quando os governantes que os escolheram já estão a fazer as malas. Frequentemente conseguem a colocação graças ao currículo entretanto enobrecido pelo desempenho do cargo ao lado do ministro. Ou pior: por terem estado em regime de substituição por escolha do amigo e assim terem ganho a experiência que os faz passar de rejeitados a eleitos.
Como alguém dizia, o diabo está sempre nos pormenores. E nisto das nomeações há um inferno muito grande onde o mafarrico pode dar largas à sua imaginação. Era por isso essencial que a transparência fosse a maior, por mais fina que se consiga a legislação. Os job for the boys prestam-se às maiores demagogias e criam preconceitos perniciosos à democracia.
Enfim: Eu nomeio, tu nomeias, ele nomeia. Mas nós pagamos, vós fechais os olhos, eles aproveitam-se.