Confesso que tentei. Mas não consigo. Tenho de escrever sobre bola. Sobre o meu Benfica. Sobre Jesus. Há dias que quase não durmo. De fúria, de despeito, de raiva. De espanto e pavor. Todos os dias me deito com a secreta esperança de ver a realidade desmentida na manhã seguinte. Ver Jesus no Sporting é um pesadelo que nunca julguei ter de viver. Para que conste, e para que se perceba o que é o benfiquismo mais primário, a coisa irrita-me infinitamente mais do que imaginá-lo no Porto onde seria infinitamente mais perigoso.
E estou furioso com todos. Visceral e perigosamente furioso. Não pensem que alguém é poupado. Ninguém escapa aos meus impropérios. Nem aos meus, nem aos dos meus filhos. Que já vão sendo impropérios de gente grande. De benfiquistas à séria. Decretei aliás uma semana de liberdade total para palavrões em minha casa. E tem sido do bom e do bonito. Nunca as orelhas de Jesus devem ter ardido tanto. Nunca em minha casa se lhe desejou tanto azar e um futuro tão requintadamente apocalíptico.
Isto dito, prometi a mim mesmo um último assomo de racionalidade. Porque não sou ingrato e porque nunca gostei de revisionismos.
A minha opinião não é de hoje. Nem de ontem. Defendi a continuidade de Jesus no Benfica na fase mais difícil da sua vida como treinador no clube. Quando vimos o campeonato, a Liga Europa e a Taça esfumar-se no prazo de poucas semanas. Fui dos poucos a aplaudir então a decisão corajosa de Luís Felipe Vieira.
Sei bem porque o fiz. Porque, ontem como hoje, reconhecia e reconheço que Jesus é o melhor treinador português da atualidade. Leu bem. Mourinho incluído. Raras vezes vi alguém com tanta intuição para o futebol. Raramente vi alguém com ideias tão seguras e tão claras do que quer de cada jogador e de toda uma equipa. Raramente vi alguém tão confiante nas suas ideias mesmo quando elas desafiam toda a lógica. E ao contrário do que se tornou moda dizer, nunca confundi a sua intuição tática com medo dos grandes momentos. Nunca alinhei com a ideia infantiloide de que o Seixal encerrava todos os amanhãs que cantam e nunca acreditei na ideia de que se pode fazer uma equipa campeã com doses cavalares de juventude.
Mas nem só do seu génio tático se fez e se faz o meu apreço pelo treinador Jorge Jesus. Mourinho, o enfadonho Mourinho, também é um génio tático. Como já tive ocasião de aqui escrever (num delírio lírico pelo qual ainda hoje sou gozado), o maior feito de Jesus foi o de devolver o Benfica aos benfiquistas. Só por má-fé alguém pode querer esquecer quão enfadonho foi o futebol do Benfica no longuíssimo período que mediou entre a saída de Eriksson e a entrada de Jesus. Só por má-fé se podem esquecer os estádios às moscas. Mesmo quando, como foi o caso de Trapattoni, ganhámos campeonatos. A verdade é que há uma geração de miúdos que foi recuperada para o Benfica por Jorge Jesus.
Por tudo isto, e ainda a espumar de raiva, quero aqui deixar um agradecimento público a Jorge Jesus. Devo-lhe, muito provavelmente, o benfiquismo inabalável dos meus rapazes. E isso não tem preço. Obrigado Jorge.
Pronto. Está dito. Agora prepara-te. E leva o dicionário para a Supertaça. Estamos a colecionar palavrões como nunca, nem nos teus pesadelos mais delirantes, alguma vez pensaste ouvir.