Nada traz maior consolo em momentos difíceis do que sentir que não somos os únicos a passar por aquele tormento. Foi a isso que me agarrei nos últimos anos, sempre que um dos meus filhos resolveu não dormir, não comer, não entrar na banheira, não sair da banheira, fazer birras muito particulares e não ser colaborante com os pais de forma geral. “São crianças”, pensava eu, e os meus ombros encolhiam de forma automática, como os espelhos retrovisores nos carros modernos. “As crianças são assim”: todos comprávamos, e vendíamos, esta ideia do “pack maternidade”, com extras bons, tipo bochechas gordas, e extras péssimos, tipo urgências pediátricas às duas da manhã. As bronquiolites, as otites, as gastroenterites, as infecções urinárias, as reacções alérgicas, surgem sempre no momento menos conveniente para todos os envolvidos, e eu sempre aceitei isso como mais uma inevitabilidade. Percebo agora que estava errada. E que estou sozinha nisto. Laborei em erro estes anos todos, e laborei com muito sono no dia a seguir aos episódios nas urgências, sem necessidade. Manuel Pizarro, ministro da Saúde, garantiu que a esmagadora maioria das crianças vai ao hospital antes das nove da noite. Senti-me esmagada por esta informação. Isto significa que, das duas uma: ou só os meus filhos, e mais meia dúzia de parvalhões, é que têm este hábito de se apresentarem no quarto dos pais com 42 graus de febre às cinco da manhã ou só eu, o meu marido, e mais meia dúzia de papalvos, é que caímos na esparrela de os levar ao hospital àquela hora.
Estamos a criar meninos mimados, é o que é. Eles têm de aprender a ouvir “não”. Não pode ser tudo como eles querem, temos de parar de ceder aos caprichos dos mais novos. Não é porque o menino está com convulsões que os paizinhos devem ir a correr ao médico, a horas impróprias. “Pedrinho, quantas vezes é que a mãe já disse que não se tem falta de ar a meio da noite? Queres ter falta de ar, tens o dia todo para isso. Não é a esta hora que te vais lembrar dessa brincadeira. Volta para a cama e quando forem oito da manhã falamos. Aliás, é melhor às nove, que a mãe esteve aqui a ver, e as urgências no Beatriz Ângelo só abrem às nove.” E pronto, o Pedrinho que aprenda a controlar a sua pieira, que já tem sete anos. Está em boa idade para começar a cuidar da sua saúde sozinho. Temos de tornar os miúdos autónomos. Não podem estar sempre a contar com o pai, a mãe e o Serviço Nacional de Saúde para os proteger. Planeio juntar-me à próxima greve dos médicos, outros caprichosos, que também devem ter tido pais a fazer-lhes as vontadinhas todas, e agora fazem exigências absurdas ao ministério, como não ver mais de 37 pacientes por hora. Já tenho o cartaz pronto: “Manuel Pizarro, faz-me um filho desses, que só adoecem em horário de expediente e que em Agosto acataram as ordens de Graça Freitas e não ficaram doentes, para não sobrecarregar o SNS. Troco por dois, de 6 e 2 anos. Muito estimados. Revisões feitas na marca, e algumas fora de horas no São Francisco Xavier.”