O bispo do Porto, Manuel Linda, gostaria com certeza que já não nos lembrássemos das suas palavras, contrárias à criação de uma comissão para o estudo dos abusos sexuais contra crianças, na Igreja Católica. Felizmente temos memória, e infelizmente as vítimas também, visto que guardam horrendas recordações das suas infâncias. “Ninguém cria uma comissão para estudar os efeitos do impacto de um meteorito na cidade do Porto”, disse então Manuel Linda. Agora, que estamos perante uma impressionante chuva de meteoros, que atingiu Portugal de norte a sul, talvez o bispo queira rever a sua posição. Na altura disse: “Se se destina, como foi divulgado, a recolher queixas, não se justifica, pois até agora não tivemos nenhum caso desses, graças a Deus.” É preciso ser-se mesmo muito crente para acreditar num milagre destes… Até hoje, os casos de abusos de menores na Igreja eram, de facto, tratados como se fossem um assunto menor. Tentava-se que a pedofilia fosse como o cometa Halley: visível apenas de 76 em 76 anos, e de relance. No relatório apresentado esta semana, estimam-se no mínimo 4 815 casos, e dá vontade de usar aqueles óculos especiais dos eclipses, com filtro solar, para não queimarmos os olhos ao ler os testemunhos das vítimas.
Pessoas como Manuel Linda em princípio não precisam, porque aparentemente já eram cegas. São repugnantes as descrições de tudo o que foi feito às crianças, e igualmente chocantes as descrições de tudo o que não foi feito aos abusadores, depois de acusados. O castigo para estes padres era, invariavelmente, serem transferidos de paróquia para paróquia, numa espécie de digressão nacional que lhes permitia estar sempre a conhecer novos paroquianos novos. Seria o equivalente a apanhar um ladrão em flagrante, a assaltar a Caixa Geral de Depósitos, e mandá-lo, munido das mesmas armas, cumprir pena numa sucursal do Millennium BCP. Ao ler o relatório, leitura que não recomendo a quem tenha problemas de estômago, nem a quem não tenha e queira continuar a não ter, compreende-se que muitas das vítimas tenham perdido a Fé em Deus. Eu, pelo contrário, fiquei com muita vontade que Deus exista mesmo, e que possam arder no Inferno todos estes “pecadores” que convenceram crianças indefesas de que eram elas a pecar. Aliás, peca por tardia a distinção entre “pecador” e “criminoso”, que o castigo que se reclama, para estes abusadores, não são 17 ave-marias. Como custa a crer que algum deles venha a sentar-se em frente a um juiz, é mais fácil acreditar no Dia do Juízo Final. Mais depressa assistimos à segunda vinda de Cristo à Terra do que a uma primeira ida de um destes abusadores ao Campus de Justiça. Se há altura em que era bom que Cristo tivesse oportunidade de cá vir, é esta. Não só porque tem uns quantos assuntos por resolver, da Ucrânia à Síria, mas sobretudo para rever o seu método de recrutamento. Tem de escolher melhor os seus representantes, que estes têm dado tão mau nome à marca “Deus” que são capazes de a levar à falência.
Católicos praticantes de crimes. Crónica de Joana Marques

Até hoje, os casos de abusos de menores na Igreja eram, de facto, tratados como se fossem um assunto menor. Tentava-se que a pedofilia fosse como o cometa Halley: visível apenas de 76 em 76 anos, e de relance