Domingo acaba o Campeonato do Mundo e acaba-se, para todos nós, o Qatar. Será votado ao esquecimento, ficando na nossa memória apenas como o país em que Cristiano abandonou o terreno de jogo em lágrimas (ou, para os menos românticos, o cenário em que reclamou um golo marcado com o cabelo). Felizmente há quem queira contrariar essa tendência, e faça por manter o Qatar nas bocas do mundo. Honra seja feita a Eva Kaili, uma das vice-presidentes do Parlamento Europeu, que foi detida por suspeitas de corrupção envolvendo esse paraíso do Golfo Pérsico. E chamo-lhe paraíso porque ouvi Eva Kaili, precisamente, há apenas três semanas, louvar as qualidades do Qatar. A eurodeputada grega apontou o Qatar como líder nos direitos laborais, e destacou o Mundial como prova de que “a diplomacia desportiva pode alcançar uma transformação histórica de um país, com reformas que inspiraram o mundo árabe”. Se por “diplomacia desportiva” se referia ao velho hábito futebolístico de subornar o árbitro para ganhar o jogo, está certa.
Deixou ainda recados a todos os que discriminam o Qatar e o acusam de corrupção (injustamente, como se vê). Eva Kaili, que junta ao cargo de ex-vice-presidente o de ex-apresentadora de TV, acabou por fazer o mesmo trabalho de sempre: ser paga para ler coisas que lhe escreveram num teleponto. Só mudou de guionistas. Talvez tenha exagerado ligeiramente nas loas ao governo do Qatar. Já se sabe que quando a esmola é grande, o pobre desconfia, e os seus colegas de hemiciclo, autênticos pés-rapados, que têm de viver com o miserável salário do Parlamento Europeu, ficaram intrigados. Esta detenção foi com certeza um alívio para a mãe de Eva que, depois de ouvir aquela palestra, devia estar seriamente preocupada com a saúde mental da filha. Imagino-a a ligar para toda a família: “Que alegria! A Eva não está louca, afinal era só corrupção.” Ao pai não deve ter conseguido ligar, já que também está envolvido neste escândalo (bem como o namorado da grega). É por isso que gosto tanto desta quadra natalícia: as famílias unem-se para fazer o bem.
Este caso tem a originalidade de os Kaili angariarem fundos para eles mesmos, mas por uma causa maior: ajudar os magnatas que sofrem no Qatar. Há quem se junte para oferecer um sorriso novo a pessoas que não têm dentes, esta família uniu-se para oferecer uma limpeza de imagem ao Qatar. Não vejo que seja muito diferente. O esquema funcionava deste modo: em troca de elogios e influência em decisões do Parlamento Europeu, boas maquias. É uma espécie de prostituição sentimental: não é preciso ir para a cama com ninguém, basta dizer que são muito bons na cama, e convencer outros a envolverem-se com eles. Em casa da eurodeputada grega foram encontradas malas com quantias avultadas de dinheiro. Ainda dizem que o Qatar trata mal as mulheres… Com Eva foi muitíssimo generoso. Kaili cumpre assim o sonho de muitas estrelas de TV: provar que não é apenas uma cara bonita. É também a cara de um dos maiores casos de corrupção na União Europeia.
OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR