Muitas coisas me atormentam quando penso na velhice: a perda de faculdades, a falta de mobilidade, a Praça da Alegria… ser atacada por formigas não era, até hoje, uma delas. As tenebrosas imagens captadas num lar em Boliqueime, com uma senhora presa à cama e coberta de insectos, fizeram-me lembrar o 11 de Setembro, mais concretamente aquelas vítimas que, num World Trade Center em chamas, preferiram saltar pela janela do que esperar pelo fim anunciado. Aqui, em Portugal, os utentes dos lares vão ficando em lume brando, como quem espera que haja datas disponíveis para a cremação. Pois, se é para isso, também sou das que preferem saltar já. A provedora da Santa Casa da Misericórdia de Boliqueime, Sílvia Sebastião, perante aquele cenário dantesco, apresentou uma justificação que me parece razoável: o lar fica numa zona de campo e por isso há muitas formigas. Naturalmente. Da mesma forma que quem tem parentes em instituições perto da orla marítima já sabe que, quando os visita em altura de preia-mar, vai encontrá-los com água pelos tornozelos, e um ou outro peixe-aranha a rondar as camas articuladas. Ainda me lembro de a minha mãe nos dizer: “Meninos, vão calçar as galochas que vamos visitar o avô ao lar da Nazaré!” É curioso: ninguém fica surpreendido com os horrores que se passam em muitos lares de terceira idade, a não ser os directores desses mesmos lares de terceira idade. São sempre apanhados desprevenidos. Mas a Misericórdia de Boliqueime já fez saber que instaurou um processo-crime… ao autor do vídeo. Que uma coisa é não prestar os devidos cuidados aos utentes porque se está a ver vídeos engraçados nas redes sociais, outra é aproveitar esse tempo para mostrar em vídeo uma desgraça, nas redes sociais. Existem três tipos de pessoas: as que não sabem o que se passa com os pais ou avós dentro dos lares, as que não querem saber e as que não querem que se saiba. Sílvia Sebastião responsabiliza uma funcionária do lar pelo empolamento mediático deste caso. Diria que, a empolar alguma coisa, antes o caso do que a pele dos acamados. Para pensarmos no que há de errado nos lares nem precisamos de chegar ao caso extremo dos maus tratos. Basta falar do trato. Quando é que se convencionou que os velhos devem ser tratados como se tivessem 3 anos? “O senhor Abílio já papou? Vamos para a caminha?” O Senhor Abílio passou uma vida inteira trabalhar e a educar três filhos, para agora ser tratado como se fosse espectador do Festival Panda?! Porquê? Podemos começar pelo cume da montanha, nesse pesadelo que é sermos devorados por formigas, ou determo-nos um pouco no sopé, e pensar por que raio se conta a história da Carochinha a alguém que, lá porque tem 90 anos, não deixou de apreciar Saramago.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.