Dia de derby, um casal metade Sporting, metade Benfica chega às imediações do estádio. É garantido que serão interpelados pelo repórter de serviço e apontados como caso de estudo. “Como é que conseguem vir assim, de mãos dadas, ver um jogo destes?” A pergunta é normalmente feita no mesmo tom com que falavam com o chimpanzé Gervásio naqueles anúncios da reciclagem, num misto de admiração e de “não imaginam o perigo que estão a correr”. Fomo-nos habituando à ideia de que ir ao futebol é perigoso, como se o campeonato português fosse disputado no Dumbass. Há regras que, não estando escritas, foram assimiladas por todos, como a de não festejar em bancada alheia. Como se comemorar um golo do nosso clube perto de adeptos rivais fosse uma má educação tão grande como arrotar em frente à nossa tia Lurdes, sendo que a tia Lurdes nunca reagiria com violência desproporcionada: no máximo, um ralhete e um olhar de profunda decepção. Já de vizinhos de bancada, podemos esperar tudo. O futebol também é um jogo de sorte, que não se esgota no acaso de a bola bater no poste e entrar; há ainda a sorte de não calharmos ao lado de um fanático, que faça com que também levemos três pontos, à semelhança da nossa equipa.
A má notícia da jornada é que uma criança foi obrigada a despir a camisola do seu clube para poder assistir a um jogo, a boa é que descobrimos que o secretário de Estado da Juventude e do Desporto está vivo. Bem-vindo a Portugal, dr. João Paulo Correia. Acredito que tenha estado emigrado muito tempo, e em Marte, para não saber que este problema nas bancadas é já tão tradicional como as queijadas. Nem quero imaginar o espanto do secretário de Estado quando descobrir que, em 2004, se construíram dez novos estádios! Estar equipado à Benfica na bancada destinada a adeptos do Famalicão parece ser um faux pas tão grave como ir de fato de treino aos Globos de Ouro. E onde se lê Benfica e Famalicão poderia ler-se o nome de qualquer outro clube. Quem faz cumprir esta regra alega questões de segurança. E tem razão. É muito provável que, arriscando nesse dress code, a coisa corresse mal. Mas isto é o mesmo que dizer que as mulheres que usam mini-saias, ficando à mercê de algum tarado, se estão a pôr a jeito. No futebol, beneficia-se o infractor: os tarados continuam alegremente na bancada, os outros é que têm de mudar de roupa. Atenção que, em condições normais, consideraria que maltratar uma criança é vesti-la à Benfica. Mas neste caso tenho de abrir uma excepção. Este episódio patético, do menino que teve de ver o jogo semi-nu, como se fosse o mendigo à espera do agasalho do São Martinho, deve servir-nos de lição. Aprendemos com este exemplo que é má ideia serem os pais a levar os miúdos ao futebol. Uma mãe, perante este cenário, pegava na criança e levava-a para casa. O pai pensa: “Primeiro, vejo a bola e, no fim dos 90 minutos, logo se trata do escaldão do puto.”