A Assembleia Municipal de Melgaço aprovou por unanimidade uma moção de repúdio, por considerar uma cena da novela Para Sempre, uma “ofensa grave à tradição e cultura da região” de Castro Laboreiro. Não me espanta. Também já me senti ofendida por essa novela. Considero insultuoso que queiram fazer o espectador crer que o charmosíssimo Paulo Pires é o camionista Tozé, e que Marina Mota é rica. Por outro lado, isto ajuda-nos a ter presente que aquilo é só faz-de-conta, que os maus não são maus de verdade, que o sangue é ketchup e que ninguém vai comer aquela papaia ao pequeno-almoço. E, como se isto não bastasse, ainda puseram uma personagem adolescente a dizer do progenitor: “O meu papi é flawless e tem um body incrível para a idade.” Mas nem o esforço para garantir falta de verosimilhança livrou esta produção da TVI de embaraços. Numa das cenas de Para Sempre, os habitantes de Castro Laboreiro são acusados de furtar uma viatura e apelidados de “ladrões, bandalhos e manhosos”. Nunca pensei que a palavra “bandalho” pudesse ser considerada ofensa grave. Nota-se que em Melgaço há pouco trânsito, caso contrário perceberiam que até é das coisas mais ternas que podemos chamar a alguém. (Espero que esta alusão à ausência de tráfego em Melgaço não seja vista também como injúria, pois é só inveja). É por estas e por outras que depois levamos com tramas que se desenrolam em Beirais ou Curral de Moinas; é que a única forma de garantir que os habitantes de determinada localidade não se ofendem com referências à sua terra é esta não existir.
Imaginem que o clássico anúncio de Fairy resolvia opor Castro Laboreiro ao Soajo, em vez de Villarriba a Villabajo. Quão ofendida ficaria a vila derrotada naquela competição de lavar pratos? Nada ofende mais um português do que invocarem o nome da sua terra em vão. A nossa rua é solo sagrado, e criticá-lo é heresia. As pessoas parecem achar que lhes caem os parentes na lama se alguém falar da terra onde moram os seus parentes. Ao mesmo tempo, saber que na ordem de trabalhos da reunião de uma assembleia municipal está uma cena de novela, deixa-me descansada. Prova que em Melgaço os problemas da população são tão poucos que têm de recorrer aos de Luís Esparteiro, que se faz passar por habitante do Soajo. O município considera que o sucedido na novela afectou o bom-nome das suas gentes, ignorando que esta moção de repúdio causa ainda mais danos reputacionais. No documento pode ler-se que “a população de Castro Laboreiro é conhecida pela sua integridade, honradez e espírito de sacrifício”, falta só acrescentar “e por serem flores de estufa, que respondem a sério a coisas ditas a brincar”. A autarquia exige à TVI um pedido de desculpas, eu proponho que se mantenha isto no domínio da ficção. No próximo episódio a tal personagem teenager entra em cena e diz: “Os habitantes de Castro Laboreiro são flawless e têm um body incrível para a idade.”
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