Se tivesse de apostar, diria que Fernando Pessoa (Álvaro de Campos, para os picuinhas) escreveu o Poema em Linha Recta depois de ter lido um questionário de verão. É aquele poema em que ele desabafa: “Arre, estou farto de semideuses! / Onde é que há gente no mundo?” Trata-se de uma boa pergunta. Todos os verões, tenho estudado os questionários de Proust dos jornais, particularmente a única pergunta que me interessa: “Qual é o seu principal defeito?” Até hoje, para minha surpresa, ninguém confessou ser um filho da mãe reles e mau. A existir algum em Portugal, que eu tenha visto nunca respondeu a um destes inquéritos de verão. Este ano, o DN e o Público (a formulação do Público é ligeiramente diferente: “Na sua personalidade, que característica mais o irrita?”) têm continuado a sua busca meritória por um ser humano verdadeiramente defeituoso. Das 66 pessoas já inquiridas este ano, a maior parte são, sem surpresa, teimosas. Apresentar a teimosia como defeito parece-me, em si mesmo, um defeito, uma vez que se trata da mais chata e insignificante das falhas de carácter. A ser este o principal defeito de alguém, creio que a decência recomendaria que a pessoa mentisse, e confessasse um defeito a sério. Talvez injustamente, incluí neste lote um inquirido que, como defeito mais importante, apontou: “a determinação. Perto da teimosia”. Ele não chega a ser teimoso, mas está lá perto. Ou seja, creio que tem como principal defeito o facto de nem teimoso conseguir ser.
Depois dos teimosos vem, este ano, um grupo quase tão numeroso de impacientes. Como é evidente, este defeito dos inquiridos manifesta-se apenas porque o mundo lhes esgota a paciência. O que nos conduz a outro grande clássico dos questionários de verão: grandes imperfeições que são, na verdade, imperfeições dos outros. É o caso da inquirida cujo principal defeito é – e peço ao leitor que se prepare para um aleijão moral dos mais infamantes: “Confiar.” Ou do desgraçado que tem muita dificuldade em lidar com esta sua repugnante característica: “Achar sempre que todos têm sentido de humor.” Ou a pobre inquirida que não se conforma com o facto de “compreender demais”.