Novembro de 2020
Hoje, durante um passeio pelos Açores, encontrei um ovo. É um ovinho tão bonito que resolvi trazê-lo para casa. Vou dar-lhe calor e ajudar o pintainho a nascer. Algumas pessoas estão a criticar-me por trazer o ovo para dentro de casa. Realmente, não há limites para a crueldade das pessoas. Má vontade relativamente a um ovinho, imaginem!
Dezembro de 2020
O pintainho saiu do ovo! É um bocado esquisito, mas com a minha ajuda vai transformar-se numa ave bem bonita, e vai passar a fazer parte da nossa família. Entretanto, alguns dos meus amigos continuam a dizer que eu não devia ter trazido o ovinho para dentro de casa. Disparate. Está na minha casa dos Açores. Se por absurdo alguma coisa corresse mal, o problema ficaria contido aqui.
Janeiro de 2021
Começo a desconfiar de que o pintainho não é um pintainho. Quem haveria de dizer? Parecia mesmo um pintainho, até porque adorava estar junto de pintainhos. Os pintainhos é que não deviam gostar muito dele, porque acabavam por desaparecer. Não sei para onde foram. Estranho. Agora parece mais uma lagartinha. Tão querido.
Setembro de 2021
Bom, neste momento parece-me evidente que o meu pintainho é uma cobra. Por isso é que ele ficava com a forma de pintainho. Porque comia os pintainhos que eu punha ao pé dele para lhe fazerem companhia. Como naquele livro do Saint-Exupéry. Engraçado. Enganou-me bem, o malandro. Apesar de tudo, creio que não há razão para preocupações. Se a cobra moderar o seu comportamento, podemos viver tranquilamente juntos. As cobras têm má reputação, mas nem tudo o que elas fazem é mau. Por exemplo, gostam de dormir, e eu também gosto de dormir. Têm sangue frio, que é geralmente considerado uma qualidade. Agora dormir e ter sangue frio são comportamentos de cobra? Tenhamos noção do ridículo, por favor.
Fevereiro de 2022
A cobra transformou-se numa jibóia bastante grande. Os meus amigos têm medo dela, mas é um receio infundado. Ela é muito minha amiga. Anda sempre junto a mim. Incrível, a dedicação do bicho. Olha, agora enrolou-se toda à minha volta, para me dar um abraço. Somos mesmo amigos. Ui, que abracinho tão apertado. Pronto, pronto. Assim talvez já seja exagero. Cuidado com esse afecto todo. Olha que estou a começar a ficar com alguma dificuldade para respi
(Crónica publicada na VISÃO 1445 de 12 de novembro)