Uma das injustiças que a espécie humana tem de suportar é o preconceito em relação a cumes. Façanhas como a ida à Lua ou a invenção da Internet são celebradas, mas proezas como a organização de festas da Covid, que representam também um pináculo da nossa capacidade, não são valorizadas como merecem. Cumes da inteligência festejam-se; cumes da estupidez lamentam-se. Não é justo. São ambos cumes. Uma pessoa normal não tem capacidade para dominar a engenharia aeroespacial, mas também não possui a imaginação necessária para conceber uma festa da Covid. De acordo com os jornais, há quem se tenha lembrado de organizar festas da Covid, em que um dos presentes está infectado, e o primeiro conviva a demonstrar que também contraiu a doença ganha um prémio monetário. No Texas, um homem 30 anos terá morrido na sequência de uma destas festas e, segundo a notícia, antes de morrer disse à enfermeira: “Julgo que cometi um erro. Pensei que a Covid era um embuste, mas afinal não.” Olhar para o mundo inteiro em confinamento, ver as notícias constantes sobre infecções, internamentos e mortes, e mesmo assim acreditar que a Covid é um embuste não é para qualquer um. Mesmo na hora da morte, o homem manteve um admirável cepticismo, afirmando: “Julgo que cometi um erro.” Não está ainda em condições de garantir, mas julga que sim.
Na Natureza, não encontramos uma inteligência comparável à dos seres humanos, mas também não é possível observar uma estupidez da mesma envergadura. Inventar vacinas é admirável, mas recusar receber vacinas também exige uma forma de raciocinar prodigiosa. E, no entanto, só um tipo de raciocínio prodigioso é admirado. Não me quero gabar, mas sempre pertenci ao número dos que não discriminam entre portentos da mente humana, e sinto tanto ou mais fascínio quando ouço falar um idiota como quando escuto um génio. Tanto sou sensível ao assombro da inteligência como ao fulgor da ignorância. Sinto-me igualmente interpelado por Shakespeare, quando diz que “a vida não é mais do que uma história, contada por um idiota, cheia de som e de fúria, sem significado algum”, como pelo autor anónimo de uma tabuleta que vi uma vez num terreno, ao pé de Chaves, e que dizia “Bendç”.
(Opinião publicada na VISÃO 1428 de 16 de julho)