Situações como a que estamos a passar trazem ao de cima o melhor das pessoas. E, felizmente para mim, também o pior. O melhor das pessoas é difícil de suportar, porque se trata de uma recordação dolorosa de que há gente com uma abnegação e altruísmo dos quais eu não sou capaz. Por exemplo, os profissionais de saúde passam uma vida inteira a estudar, trabalham em geral com muito menos condições do que merecem, e em momentos de crise dedicam-se aos outros até à exaustão, arriscando a vida, e nós retribuímos com um grande aplauso às 22 horas – o que é bonito, mas é também o pagamento que eu recebo se subir a um palco e disser a coisa mais estúpida que me ocorrer. Já o pior das pessoas dá gosto. Contempla-se com muita satisfação. Normalmente, porque as pessoas estão a fazer em público o que nós fazemos em privado, ou porque fazem o que nos apetece fazer mas não temos coragem. É muito mais fácil entender o pior das pessoas do que o melhor. Entendo perfeitamente quem açambarca produtos no supermercado. Refreio-me para não fazer o mesmo, mas entendo. Além disso, o pior das pessoas tem a grande vantagem de nos permitir adoptar um comportamento que sabe mesmo bem: o julgamento. “Ah, eu nunca! Olha aquele, a fazer uma coisa da qual eu já me tinha lembrado mas felizmente não fiz, ou fiz apenas quando ninguém estava a ver!” É muito agradável.
Dito isto, vamos então assinalar um divertido comportamento, que é este: bom, tudo bem, estamos a viver uma altura difícil, mas e se eu conseguisse fazer o post mais viral? Mais choroso, mais sentimental, mais preocupado, mais exibicionista? Pode estar tudo a desmoronar-se, mas o fim do mundo há-de aparecer no momento em que eu tiver mais likes do que toda a gente. Sempre é um consolo. Ou então vou pôr a circular a peta mais partilhada no WhatsApp. A mais catastrofista, com a melhor teoria da conspiração. Infelizmente, não tenho redes sociais. Mas gostava de sugerir um movimento contrário. Posts sobre o modo como estamos em casa, um bocado assustados e sem vontade nem presença de espírito para dar conselhos nem para inspirar todos com a exibição de uma coragem que, na verdade, não temos. Ou uma mensagem de WhatsApp a dizer que, em princípio, a comunicação social não nos está a esconder nada e nós não temos quaisquer primos que trabalham nos hospitais e têm informações privilegiadas sobre dois milhões de mortos. Vamos, tudo a partilhar mensagens realistas ou da mais chã humanidade. Mas não se esqueçam – por favor, não se esqueçam mesmo: fui eu – eu! – que tive a ideia.
(Opinião publicada na VISÃO 1411 de 19 de março)