Após alguns dias a estudar afincadamente o caso, estou neste momento em condições de condenar o Público e o jornalista José António Cerejo por causa da reportagem intitulada “Autarcas de Castelo Branco inventaram uma ONG para obter subsídios”. O jornal dá a conhecer a L’Atitudes, Associação para a Dinamização de Projectos e Redes Globais de Cooperação e Desenvolvimento – ONGD, sem dizer uma única palavra sobre a beleza do nome. Só por má vontade não se comenta o modo como o perfume francês do nome L’Atitudes se concerta com a capacidade portuguesa de falar sem dizer nada revelada na descrição. O jornalista optou por destacar o seguinte: o autor da proposta de atribuição de subsídio é presidente da câmara que subsidia e da associação subsidiada. Com isto, pretende-se insinuar que aquela pessoa, sendo a mesma, estava a decidir em causa própria. Ignora-se, por isso, a existência de conflitos interiores – que podem ser bem tormentosos. Uma coisa é alguém decidir fazer um favor a outra pessoa, por educação ou interesse. Outra, bem diferente, é fazer um favor a si mesmo. Quantas vezes não se diz, e com razão, que somos os piores inimigos de nós próprios? Que acesa discussão íntima não terá mantido o presidente da câmara de Castelo Branco com o presidente da L’Atitudes, um reivindicando, o outro contrapondo, até terem chegado ambos a este acordo?
Outra perfídia do jornalista: a associação não diz o que faz, não faculta os relatórios de actividades, não revela os nomes dos seus dirigentes e, ao contrário do que anuncia, não é uma organização não-governamental para o desenvolvimento, uma vez que não está certificada como tal. Portanto, são pessoas discretas a praticar o bem, que é a maneira mais decente de o praticar, e ainda são criticadas por isso.
Mais, diz o jornalista com acinte: o subsídio da câmara de Castelo Branco destinava-se a financiar obras de requalificação da sede da associação. Mas onde pretendia o jornalista que a associação planeasse as suas actividades imaginárias? Numa sede também imaginária? Não pode ser. Pessoas concretas precisam de sedes concretas para se dedicarem à imaginação. O rato Mickey é fictício, mas Walt Disney inventou-o num escritório real. A L’Atitudes é, à sua maneira, uma Disneylândia. Primeiro, todos nos queixamos de falta de investimento no Interior. Depois, alguém se lembra de instalar a Disneylândia em Castelo Branco e é achincalhado no Público. Decidam-se.
(Crónica publicada na VISÃO 1361 de 4 de abri)
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