Nós éramos quatro, pai, mãe e duas filhas. Eles eram quatro, pai, mãe, uma filha e um filho. Morávamos no mesmo bairro, o bairro da primeira casa de que tenho memória. Passávamos os domingos juntos. Íamos até à Ponta da Ilha, deliciávamo-nos com os gelados do Baleizão, fazíamos piqueniques perto da estrada do Catete. Quando ficávamos no bairro, os pais ouviam o relato de futebol à sombra da pitangueira, as mães conversavam acerca de coisas de nada, e nós, os filhos, soprávamos bolas de sabão no quintal, desenhávamos a macaca no largo da Sarita, atrevíamo-nos a espreitar os bairros vizinhos, enfiávamo-nos dentro de enormes barris que, nas descidas, ganhavam uma velocidade perigosamente absurda.
Era assim, desde sempre, um sempre ainda breve para mim. E, por uns tempos, continuou a ser assim, mesmo depois de a notícia rastejar sibilante pelo bairro: o meu pai e a mãe deles, a melhor amiga da minha mãe, eram amantes. Não tardou a não haver outro assunto na vizinhança. Más-línguas, gente invejosa da nossa amizade, resistia a minha mãe. Eu não percebia o que estava a acontecer e não me lembro do que primeiro dei conta, se dos cochichos que se empolgavam quando nós passávamos, se da estranha impaciência da minha mãe que explodia, inexplicável, em gritos zangados por dá cá aquela palha. Fiquei a saber de tudo pela D. Arminda. “Tudo”, é uma maneira de dizer.