Acordei doente. Dói-me a cabeça, a comida não me sabe a nada, os chás gatanham-me a garganta, a tosse cavalga-me dos confins dos pulmões, a barriga escalda. Covid ou gripe, conclui a solícita enfermeira do SNS24. Informo-a de que estou vacinada para ambas, Terá uma doença mais branda, garante, pode fazer o teste para saber se é uma coisa ou outra, mas como agora já não há isolamento obrigatório, talvez não valha a pena. Depois de receitar os antipiréticos e anti-inflamatórios da praxe, aconselha-me o reforço da vitamina C, tisanas de gengibre e curcuma, De resto, aproveite para descansar. Antes de desligar sugere, Ponha as séries em dia, como se ignorasse que a doença, mesmo uma doença banal como a gripe, deslassa tudo à sua volta.
O confinamento de março de 2020 e os seguintes, milhões de pessoas presas em casa, o mundo ilusoriamente parado, parecem-me agora irreais, cenas de um mau filme-catástrofe. Continuamos por cá. Nós e o vírus. Aprendemos a conviver com tudo. Até mesmo com os nossos inimigos. Adaptamo-nos a tudo e tudo domesticamos. Até mesmo a morte. Durante os jantares de família, vemos notícias da guerra ou um reality show qualquer. Fantasia ou realidade, pouco importa.