A estação de caminho de ferro de Bamberg ficava a 20 minutos a pé da residência artística. Depois de meia dúzia de acolhedoras ruelas secundárias, o caminho prolongava-se por uma reta desagradável, a Luitpoldstrasse. A ponte sobre o braço mais largo do Regnitz tornara-se ainda mais feia no inverno. Eu estava sozinha há quase um ano, os outros bolseiros haviam trazido família ou viviam a poucos quilómetros dali, os meus fins de semana arrastavam-se desacompanhados mês após mês. Por mais que me ocupasse lendo, vendo séries, fazendo caminhadas, continuavam a sobrar-me horas pastelonas no relógio. A não ser que me pusesse a trabalhar e a minha febre de domar as palavras volatilizasse o tempo. Tentara fazer amigos alemães fora da residência, mas desistira, não é simples ser-se estrangeiro. Na verdade, os amigos não se procuram, acontecem, como qualquer outro milagre. Naquele domingo, uma opressora cor de chumbo entristecia a cidade, por igual. Considerando as várias hipóteses de me entreter, decidi ir a Nuremberga.
Entrei no comboio e escolhi um lugar de coxia. Tive a sensação de que mais ninguém naquela carruagem viajava sozinho, identifiquei pares de namorados, grupinhos que laços familiares ou de amizade tornavam estanques, talvez só tenha reparado no que me fazia falta. Chegada ao meu destino, passei pelo portão das mulheres, a Frauentor, perdi-me na pequena multidão de Konigstrasse, espreitei o castelo, a bela e medieval Schoner Brunnen, comi pão de mel, vagueei em direção ao Palácio de Justiça de Nuremberga. A Sala 600, onde foram julgados 22 dos principais criminosos de guerra nazis entre os meses de novembro de 1945 e outubro de 1946, é uma das principais razões que atraem turistas àquela paragem da Baviera. O meu vagar contrastava com a pressa deles, muitos fariam ainda nessa tarde mais 65 quilómetros até Bayreuth, para visitarem a cidade onde Wagner viveu os seus últimos anos. Não cheguei a visitar a Sala 600 que tem, ao alto, na parede do fundo, uma enorme cruz, mas enquanto jantei um delicioso hambúrguer num restaurante perto de St. Lorenz não deixei de pensar, O que fazia ali Jesus Cristo?