An American Christian, God damn!”, exclama com um misto de estupefação e repulsa o Randy Newman, na canção Dixie Flyer, do álbum Land of Dreams, de 1988. Foi isso que me ocorreu quando ia a correr junto a um bar de praia ornamentado com pranchas de surf, invocando um imaginário Malibu que nos diz muito mais a nós todos, Cristãos Americanos, do que um jugo de bois e umas redes de pesca, provavelmente mais naturais da nossa circunstância histórica atlântica. Uma tábua de recreio aquático. Foi com estupefação e repulsa que me achei um cristão americano. Repulsa de ser americano por ser cristão, repulsa de ser cristão por ser americano. A ideia de ser liberal, capitalista, individualista, competitivo e egoísta como um americano constrange as minhas moléculas cristãs. A ideia de ser retrógrado, conservador, medieval e preconceituoso atua como gota de limão na ostra americana, moderna e livre que também sou. Não sei como se resolve este dilema de colonizado complexado. De cristianizado irreversível. Ser ambos, um American Christian, então God Damn. Como português que me acho, sem saber muito bem o que achar do facto de que um verdadeiro português não é português, é tudo, como diz o Fernando Pessoa, fico meio sem solução perante este xeque-mate, este autodiagnóstico sem chave, sem password que o deslinde. Em dia de eleições americanas fico com a ideia de que, podendo, nós, os portugueses, apresentar-nos-íamos nas urnas com taxas de abstenção muito próximas do zero. Ou, pelo menos, mais baixas do que nas eleições presidenciais portuguesas. Sem dúvida, com maior afluência do que naquelas eleições europeias de que nem sabemos muito bem do que tratam. Vejo maior interesse nas conversas, nos noticiários, nos debates, nos murais, nas morais, nas eleições americanas do que noutras. Porque nós brincávamos aos índios e aos caubóis, não brincávamos aos descobrimentos nem aos campinos nem aos toureiros, nem aos pescadores nem às padeiras de Aljubarrota. O Bruce Springsteen, que é de New Jersey, cidade vizinha, diz que sonhava com Nova Iorque como um El Dorado distante, como um Shangri-la de onde provavelmente jorraria todo o leite, todo o mel, todo o maná de todos os sonhos de juventude. Em Águas Santas o sentimento era afim. Quando me vi em Manhattan pela primeira vez na vida, senti-me dali, daqueles prédios, daqueles táxis amarelos.
Torço pela nossa América, de onde todos somos. E que Deus Nosso Senhor nos abençoe. (God Damn!)
(Crónica publicada na VISÃO 1444 de 5 de novembro)