Sinto que grande parte da experiência da maternidade consiste em ignorar conselhos. Conselhos de especialistas, de revistas da especialidade e de pessoas especialmente chatas que se acham especiais. Claro que se me perguntarem se, no geral, toda essa gente está com a Razão (como se a razão fosse uma sábia amiga mais velha com quem se vai beber um chá de sensatez), eu digo que sim. Mas digo também que, infelizmente, a grande maioria das pessoas normais trabalha com a Realidade (essa implacável colega de expediente, que nos obriga a esfalfar o couro e que nos passa sempre à frente, na promoção e na fila do chazinho de noção).
No geral, diria até que grande parte dessas sábias entidades cheias de boas práticas a disseminar não tem sequer filhos, ou então é de uma casta de mulheres-Bree-van-de-Camp, cujas vidas parecem cobertas de uma fina camada de glacé e camisas engomadas, mas que certamente têm uma vida secreta de taras, perversões e psicopatia recalcada.
Começa logo de manhã. Uma das coisas que mais ouvi como boa-dica–de-sobrevivência-no-puerpério, é tomar um banho e vestir a roupa como quem vai sair para trabalhar, evitando o pijama, o cabelo oleoso e a busca por uma dignidade vaga e distante. Ora, isso só é possível às vezes. É que se houve tempos em que o bebé ficava alegremente na espreguiçadeira a olhar para mim enquanto tomava banho, neste momento isso não é possível. Ele faz verdadeiras birras-manif para me impedir de entrar no duche e só com outro adulto disponível para o redirecionar, é que eu consigo pôr um pé lá dentro.
Ter uma rotina é outro desafio. É talvez o conselho mais comum durante toda a primeira infância e, mesmo reconhecendo a sua validade, sou incapaz de cumprir com uma. Não por casmurrice, mas porque simplesmente não temos uma rotina, e quando, artificialmente, tentamos impô-la, acabamos por levar uma grande rasteira do puto (quando achávamos mesmo que estávamos a conseguir), ou temos de ir para algum lado e lá desregulamos os horários das sestas e refeições, voltando ao velho-improviso-nosso-de-cada-dia.
Não o adormecer (1) ao colo, (2) na mama, (3) nem noutro sítio que não a cama dele é música para os meus ouvidos, em teoria, mas, na prática (1), no desespero é o que tiver de ser (colo, carrinho, marsúpio, automóvel ou cama de rede), (2) é fácil e a meio da noite é a salvação da lavoura, (3) se na cama dele implica uma hora de joelhos, braço torcido entre as grades até à dormência, choradeira com baba e ranho, levanta-deita-levanta e os dez cantos dos Lusíadas lidos, relidos e comentados, vai na minha cama mesmo. E isso faz logo a ponte com o conselho siamês de não deixar o bebé dormir com os pais, porque passados os primeiros meses de berço lateral acoplado e depois de ter ido para a cama de grades, quando acorda a meio da noite, poucas vezes tenho a convicção das mães-samurais, que conseguem readormecer os bebés até à consolidação do sono, para devolvê-los à procedência. Eu, simplesmente, abro os botões do pijama, deixo que o leite o adormeça, e durmo durante e depois desse processo, até que ele me acorde novamente passado umas horas.
Também não consigo evitar algum tempo de ecrã à refeição quando está especialmente pesado, o dia, a birra, ou a paciência. Sempre com culpa. E, no geral, para ser bem sincera, sinto que, se todos estes conselhos de puericultura são impossíveis de praticar no meu dia a dia, mais difícil ainda é aplicar os conselhos para a mãe: tempo de autocuidado, rotina de exercício, manutenção da vida social, tempo para o casal…
Vamos ser francos, grande parte da experiência da maternidade consiste em trabalhar para o divórcio, para a exaustão e para aquelas doenças chatas que autoinfligimos diariamente em doses homeopáticas de descuido, ansiedade e microcomportamentos nefastos (como comer à pressa, dormir pouco, carregar pesos e, sobretudo, tentar seguir conselhos sensatos).
(Crónica publicada na VISÃO 1441 de 15 de outubro)